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Antonia Pellegrino esmiúça 'geração projeto'

Primeiro livro de roteirista carioca explora vontade geracional de viver só de ideias, mas sem desenvolvê-las

Individualismo exacerbado e exigência de produtividade estão na obra 'Cem Ideias que Deram em Nada'

MORRIS KACHANI DE SÃO PAULO

Alguns dos traços marcantes do nosso tempo, como o individualismo exacerbado, a exigência permanente de produtividade ou a falta de foco no trabalho, inspiraram a escritora e roteirista carioca Antonia Pellegrino, 35, em seu livro de estreia, "Cem Ideias que Deram em Nada" (editora Foz).

As cem ideias comportam de tudo: jornalismo, pequenas ficções, trocas de e-mails ou torpedos, e até mesmo uma lista de supermercado ideal para a família.

De forma bem-humorada e um tanto descomprometida, o livro retrata uma geração a que a autora, que é neta do psicanalista Hélio Pellegrino e colaboradora de Miguel Fallabela e do novelista João Emanuel Carneiro, entre outros, se refere como "geração projeto".

"São pessoas entre 20 e 40 anos, que vivem, ou desejam viver, das próprias ideias. E haja ideia. Mas nem sempre as pessoas têm o tempo e o foco necessário para a elaboração dessas ideias. Então os projetos acabam permanecendo eternamente projetos", diz.

"Dar em nada tem um charme tosco, em um tempo em que tudo que você faz tem que ser sucesso. A vida não é tão linear. As cem ideias são um negativo desse mecanismo."

Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Pellegrino concedeu à Folha.

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Folha - De onde surgiu a ideia do livro? Por que "Cem Ideias que Deram em Nada"?
Antonia Pellegrino - Eu tenho a sensação de que realizar, hoje, tornou-se mais motivo de alívio que comemoração. São tantos os imperativos neste sentido que, a cada realização, o acúmulo de irrealizados nos espreita.
A cada trabalho lançado a pergunta que mais se escuta é: qual é seu próximo projeto? É preciso fazer, acumular, gozar, trabalhar, aparecer incessantemente. Isso já seria inquietante o suficiente, mas se soma a este fato uma brutal aceleração do tempo. Então precisamos realizar muito, e rápido.
O "Cem Ideias que Deram em Nada" é o negativo desse mecanismo. É uma construção para lugar nenhum. As cem ideias que deram em nada são o que não se consegue realizar em sua plenitude.

Em que medida esse livro é autobiográfico? Ele está focado no seu meio social? E que meio social é esse?
Há no livro poucos textos de fato autobiográficos. O que há de autobiográfico é um processo, um mecanismo, um sistema, um jeito de estar no mundo que é meu, mas não só, é de todos nós que queremos tanto. Acho esse modus operandi muito característico de certa classe artística, sobretudo carioca, que chamo de geração projeto. E eu acredito na alegria de inventar projetos que durem uma tarde entre amigos na praia. O problema é quando essas brincadeiras viram mulas sem cabeça, perdem o lado lúdico para passar a nos perseguir como fantasmas.

Gostaria que você fizesse comentários sobre os seguintes temas:

Homens e mulheres de hoje
Querem que a vida sentimental seja tão descomplicada quanto uma ida ao shopping. Então vivem na montanha russa, quando talvez o que falte seja literatura russa.

O cotidiano de nosso tempo, comparado com o passado
Vivemos em um tempo em que é possível a arquidiocese do Rio permitir um ritual de ayahuasca conduzido por dez indígenas no Cristo Redentor. Há não muito tempo cristãos matavam índios. Sou do time que, apesar das mazelas, reconhece mais avanços que retrocessos. Mas ainda faltam séculos para vivermos todos na Dinamarca.

Filhos e babás
Sem babá é quase impossível ter filhos e manter o casamento, trabalhar e ainda fazer a unha. Por isso filho é coisa de terceiro mundo. E se um dia não houver mais terceiro mundo, terá sido extinta a melhor profissão do planeta.

Festinhas
Frequento há anos, como qualquer brasileiro, mas me dediquei a elas como poucos. E cansei. Me jogo em situações escolhidas a dedo, com a fúria de sempre. Foram anos destruindo minha reputação, não posso trocar o trabalho de uma vida por um copo de suco verde.

Redes sociais
Com elas, quem precisa de jornal para editorializar a vida? É uma revolução do ponto de vista da informação, mas muito opressor em termos de sociabilidade. A rede social matou a melancolia do jantar solitário em frente à televisão. Matou o livro na bolsa. A gente hoje se comunica o tempo inteiro, e fala muito sozinho. Prefiro silêncio, livro na bolsa e um bom restaurante.


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