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Entrevista
Luís Carlos Prestes só se tornava popular na derrota
HISTORIADOR DANIEL AARÃO REIS LANÇA BIOGRAFIA NA QUAL TENTA EVITAR A DEMONIZAÇÃO E A HAGIOGRAFIA DO LÍDER COMUNISTA
Ele nadou na contracorrente e marcou a história do Brasil. Sonhou com uma revolução socialista e viveu longos períodos na prisão, clandestino ou no exílio. Homem íntegro e de convicções, pagou caro por elas.
Assim o historiador Daniel Aarão Reis, 68, define o líder comunista Luís Carlos Prestes (1898-1990), tema de seu novo livro, "Luís Carlos Prestes - Um Revolucionário entre Dois Mundos" (Companhia das Letras).
"Tentei fazer uma análise equilibrada, evitando a demonização e a hagiografia", diz o professor da Universidade Federal Fluminense.
Autor de "A Revolução Faltou ao Encontro - Os Comunistas no Brasil" (1990), Aarão Reis critica atuais lideranças de esquerda e nota a crescente insatisfação na juventude. "Num futuro próximo, e de um modo oblíquo, a figura de Prestes pode ter chance de ganhar uma reatualização", defende.
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Folha - Qual é o legado de Luís Carlos Prestes?
Daniel Aarão Reis - Prestes associou sua vida a uma sonhada revolução socialista no Brasil, mesmo que tivesse que passar por caminhos reformistas. Foi um homem de convicções, pagando caro por elas. Hoje, não apenas a revolução social está fora dos radares, como também a maioria das lideranças de esquerda tende mais a seguir os marqueteiros do que as suas próprias ideias, se é que ainda conservam ideias.
Se nesse quadro há um grão de verdade, Prestes parece muito desatualizado. No entanto, a história, sempre em movimento, dá voltas e reviravoltas. Quem sabe, num futuro próximo, voltem a se reatualizar as expectativas que foram as dele e as virtudes que procurou cultivar?
O senhor escreve que ele levou a vida dando cabeçadas. Como definir esse personagem histórico?
Ele quase sempre pareceu inadequado, na contracorrente. Estranhamente, só se tornava popular na derrota. Seus momentos de glória foram fugazes. Os tempos de prisão, clandestinidade e exílio foram longos.
Apesar disso, marcou a história do país, como portador de opções alternativas, fonte inesgotável para a imaginação não conformista, o que é sempre fermento indispensável para a sobrevivência de uma sociedade, mesmo conservadora. Destacaria sua integridade, a correspondência entre convicções e práticas.
Qual foi o maior erro e o maior acerto de Prestes na sua trajetória pública?
O maior erro foi imaginar que o país passaria por uma revolução social. O maior acerto foi ter mantido, contra ventos e marés, suas ideias. Como disse o poeta, o que mais importa é lançar a flecha e não que ela atinja o alvo.
No tempo da Coluna, Prestes defendeu que não havia saída possível dentro dos marcos legais vigentes. Décadas depois, condenou a luta armada. Prestes mudou?
Só não muda de ideias quem não tem ideias. Dadas as circunstâncias, as propostas políticas não podem ser as mesmas. Para além das formas de luta, porém, Prestes sempre se manteve fiel a certa ideia de revolução social. Em fins dos anos 1920, Prestes já apostava numa revolução social. Tentou a aventura em 1935 e foi derrotado.
Nos anos 1960, não foi favorável à luta armada contra a ditadura por uma avaliação da correlação de forças. Não descartava o princípio da luta armada, mas a possibilidade de ser vitoriosa. Mas nunca regateou elogios aos revolucionários que se empenhavam nela, ao tempo que criticava os que cruzavam os braços à espera de melhores tempos. Estava certo.
O que provocou a avaliação de Prestes e do PC da conjuntura de 1964 como uma "derrota histórica catastrófica", conforme o senhor anota?
Prestes acreditava num enfrentamento. Estava empolgado. Apostava num desdobramento revolucionário. Mas houve um impensável desmoronamento. Nem as direitas acreditavam naquilo que estava acontecendo.
Para além da inegável responsabilidade de João Goulart, cabe mencionar a falta de autonomia das organizações populares. Há muito a pesquisar para uma compreensão melhor da derrocada de 1964.
O senhor afirma que Prestes nunca mais teve a mesma influência e prestígio depois de 1964. Por quê?
A política é muito personalizada e Prestes personalizava o PCB e sua incapacidade de lidar com o golpe. Como Jango, tornou-se uma espécie de bode expiatório. No entanto, os dados ainda não estavam definitivamente jogados. Havia margens de recuperação. Prestes procurou uma terceira margem entre o revolucionarismo da luta armada e a passividade da maioria do Comitê Central. Não a encontrou e não é certo que ela existisse.
Diria que Prestes teve uma trajetória política coerente?
Prestes mudou muito de posições, fez muitas concessões, como qualquer liderança política, de esquerda ou de direita. É possível, contudo, perceber uma certa coerência: a defesa de uma certa ideia de revolução social e a defesa intransigente da URSS. É isto que fez dele "um revolucionário entre dois mundos".