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Réplica Tradutor comenta dificuldades com texto de Walt Whitman Não pretendi traduzir o grandioso poeta, nem me servi das palavras de outrem para, no fundo, celebrar, lamentar, ferir ou exortar meus concidadãos BRUNO GAMBAROTTOESPECIAL PARA A FOLHA Não uso este espaço para combater os termos com que o professor Sérgio Alcides qualifica minha tradução de "Folhas de Relva", de Walt Whitman, em resenha publicada pela Folha no dia 7/1. Que Alcides tenha preferido mencionar, ainda que telegraficamente (suspeito que pelo espaço que nos foi reservado), suas falhas e inconsistências, isto não é mais do que seu direito de opinar. Acontece que entre "dureza" e "prolixidade" me ocorrem alguns pensamentos, relacionados ao trabalho de tradução de Whitman e ao peso do que tenha sido dito e pensado em seu nome. Avaliado pelas realizações de pelo menos dois dos tradutores que, como registro ao fim de minha introdução, me auxiliaram na preparação do volume, parece-me justo mencionar suas leituras de Whitman para localizar o que pretendi com minha versão. A relação de Geir Campos com a poesia de Whitman -vertida em 1964 com intenção de contrapor uma voz democrática ao reacionarismo golpista e, 19 anos depois, didaticamente remodelada sob o desejo de orientação política e artística de uma sociedade em processo de redemocratização- ilustra um importante aspecto do interesse brasileiro no poeta. Das experiências épicas de um poeta menor como o modernista Ronald de Carvalho à invectiva personalista em que Rodrigo Garcia Lopes firma (com razão) sua versão dos 12 poemas da primeira edição das "Folhas", Whitman quase sempre ofereceu pauta para a orquestração de desabafos políticos e intervenções imaginárias. AMBIGUIDADE Tais intervenções foram adequadas à mitomania do poeta e, de resto (acorrem-me tanto as liberdades do corpo liberado em "Canção de Mim Mesmo" quanto os "artesãos" silenciosos de Whitman, soldadinhos de chumbo da vaidade nacional ferida pelas tensões políticas que o país enfrentava), aos termos da formação de uma ideologia democrática ambígua. Não pretendi traduzir o grandioso poeta das massas, nem me servi das palavras de outrem para, no fundo, celebrar, lamentar, ferir ou exortar meus concidadãos. Sem interesse de selecionar o que mais me agradasse ao ouvido e aos compromissos, tampouco procurei corrigir o tom desigual de 40 anos de escrita baseada em um projeto literário (descontadas sua beleza e inegáveis conquistas) por vezes histriônico e inconsistente. Diante dele, preferi a orientação desconfiada de um Mario de Andrade, para quem a América grande e unida de Whitman soava tão sedutora quanto impraticável -como o testemunham os "Dois Poemas Acreanos" (não por menos dedicados a Ronald de Carvalho) e a "A Meditação sobre o Tietê", momentos em que o projeto whitmaniano passa pelo crivo de um escritor mais atento. Por fim, tive de lidar com uma "relva" canônica e sonora (mantida no título por questões editoriais) quando preferia tentar a "grama" (talvez mais fiel às "línguas" que surgiam diante da criança que interpela o poeta em "Canção de Mim Mesmo" e certamente respeitosa ao estranhamento de muitos dos críticos de então: não poucos "corrigiam" o título do livro para "Blades [lâminas - como as da grama] of Grass"). "Prolixa" quase sempre em respeito à verborragia do poeta, "literal" para não ceder às correções as veleidades políticas (e poéticas) pediam, é possível que a tradução peque, entre outras coisas, pela intransigência do tradutor em não se deixar levar pela combinação delicada de política e prazeres estéticos. Nisto, talvez, não tenha sido capaz de conter minhas "vistas democráticas": não as da fantasia de um super-herói, mas as do idoso em seu leito de morte diante da herança, misto de emancipação e hipocrisia, que deixava. - Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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