Festival de Cannes
Diretor de 'Gomorra' lança fábula gótica
Inspirado em contos de fadas, 'Il Racconto dei Racconti' remete a temas modernos ao mesclar fantasia e realismo
Primeiro trabalho do cineasta italiano Matteo Garrone em inglês traz homens ambiciosos e obsessão por ser jovem
Apenas sete anos se passaram desde que Matteo Garrone sacudiu a Itália --e, em seguida, o mundo-- com o retrato ultrarrealista da máfia napolitana em "Gomorra".
Agora o cineasta italiano explora um gênero oposto ao de seu maior sucesso. Grande destaque do primeiro dia da competição oficial do Festival de Cannes, "Il Racconto dei Racconti" é uma fantasia gótica inspirada em histórias clássicas.
Alguns pontos, no entanto, aproximam o novo filme ao realismo de "Gomorra". "Il Racconto dei Racconti" é baseado em livro do poeta napolitano Giambattista Basile (1575-1632), que cunhou as primeiras versões de contos de fadas famosos, como Rapunzel e Gata Borralheira, no início do século 17.
"Nem na Itália ele é conhecido, apesar de ter influenciado os irmãos Grimm e Charles Perrault. Isso é muito injusto", explicou Garrone durante entrevista. "É um projeto ambicioso, porque ele escreveu fábulas que refletem tópicos modernos."
As lições de moral obrigatórias em contos de fadas realmente ressoam no mundo moderno, como a história da rainha (Salma Hayek) que deseja tanto ter um filho que faz o marido (John C. Reilly) caçar uma besta marinha em busca do coração da criatura --a iguaria a faria engravidar, segundo um feiticeiro.
Há também uma adolescente (Bebe Cave) vendida para um ogro das cavernas pelo pai, um rei (Toby Jones) obcecado por uma pulga.
"Não achei complicado entender esse hiper-realismo fantástico. Pais que veem a partida da filha como um sinal de ameaça, da chegada da própria velhice", disse Jones. "Ela deseja liberdade e crescer, como qualquer adolescente. A transformação é física."
O ator francês Vincent Cassel, no papel do rei mulherengo que se apaixona pela voz de uma mulher que disfarça sua velhice com magia, lista boa parte das metáforas.
"Mulheres que fazem tudo para ter filhos, homens atraídos por garotas mais jovens, mulheres tentando parecer mais jovens, pessoas atraídas por um objeto como um computador ou telefone. Todos são tópicos modernos."
Garrone também não é novato no tema. Seu filme anterior, "Reality - A Grande Ilusão" (2012), é uma fábula moderna sobre os perigos da fama instantânea.
"Eu era pintor antes de virar diretor, então adoro fantasia e o poder das imagens", explicou Garrone."Há algo que aproxima meu trabalho aos textos de Basile, essa obsessão com o corpo e o desejo sem limites. Isso gera conflito e sempre foi a chave de todos os meus personagens, além do impacto visual."
O filme também marca a estreia de Garrone em língua inglesa, apesar de o longa ter sido filmado em diversas regiões da Itália. "Dizem que os contos de Basile são shakespearianos, então pensei que fazer o longa em inglês daria uma dimensão mais universal. Não traí a alma dele", diz o diretor, claramente influenciado pelo cinema de Federico Fellini e Ettore Scola.
"É um longa com raízes na Itália. Fui até os limites entre o realismo e o fantástico, o que remete ao início do cinema."