Ação no STF foi plano B de editores em cruzada
Senado debate uma proposta que permite a biografado vetar trecho que o incomode em novas edições de livro
A ação de inconstitucionalidade que será votada nesta quarta (10) no Supremo Tribunal Federal foi a segunda grande cartada de editores para pôr fim à necessidade de autorização prévia na publicação de biografias no Brasil.
Antes dela, em 2011, com o apoio do setor editorial, o então deputado Newton Lima (PT-SP) apresentou um projeto de lei para alterar um dos artigos do Código Civil usados como argumento pelos defensores da autorização prévia para biografias.
O projeto sugere a inclusão, nesse artigo, do esclarecimento de que "a mera ausência de autorização não impede divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica".
Curiosamente, agora que o caso parece prestes a chegar a um desfecho positivo para os editores, o projeto de lei pode se virar contra o feiticeiro.
A razão é uma emenda apresentada pelo então deputado (hoje senador) Ronaldo Caiado (DEM-GO) em 2013.
Com o argumento de agilizar processos judiciais, o texto da emenda dizia que "a pessoa que se sentir atingida em sua honra, boa fama e respeitabilidade" poderia pedir, com prioridade em juizados especiais, "a exclusão de trecho que lhe for ofensivo em reprodução futura da obra".
Foi assim que o projeto chegou ao Senado, onde tramita na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, com o relator Romário (PSB-RJ).
Na avaliação do editor Roberto Feith, da Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros), se o Supremo votar pela liberação das biografias não autorizadas nesta quarta, o texto principal do projeto de lei será inócuo, por tratar de tema que já terá sido contemplado pelo STF.
A emenda de Caiado, no entanto, pode representar um retrocesso. Para a Anel, passando pelo STF, não haveria razão jurídica para o projeto continuar em tramitação "se o intuito for contribuir para a liberdade de expressão".
Procurado pela Folha, o gabinete do senador Romário informou que o projeto foi protocolado nesta terça (9) para votação com uma alteração no texto da emenda.
Em vez de considerar ofensa à "honra, boa fama e respeitabilidade" como razão para possível exclusão de trechos de biografias, o novo texto permite isso em caso de "fato falso ou ofensa à reputação, dignidade ou decoro".
Para a Anel, o texto continua vago, dando margem a "censura posterior".
Caiado discorda. "A emenda dará trâmite mais rápido em processos quando a obra não condiz com a realidade ou não tem consistência, sem que o cidadão [que se sentiu prejudicado] precise passar por 300 etapas judiciais."
Caiado, que processa Fernando Morais por uma citação no livro "Na Toca dos Leões", diz que não se beneficiará de sua emenda. "Estou há dez anos nisso, já no Superior Tribunal de Justiça, e ganhei em todas as instâncias."
ALVO ESPECÍFICO
A Associação Nacional dos Editores de Livros foi criada em 2011 especificamente para levar a questão das biografias ao STF. "Como a questão não avançava no Congresso, fomos ao Supremo em 2012", diz Feith, idealizador da entidade e atual vice-presidente do sindicato dos editores.
Em 2013, a associação encontrou em seu maior oponente o grande impulsionador de sua causa. Foi quando o grupo Procure Saber entrou no debate que a balança pendeu para o lado dos editores.
"Se o mercado tivesse encomendado aquela trapalhada do Procure Saber, não teria resultado tão extraordinário. Todo editor de não ficção brasileira precisa ser grato à lambança de Paula Lavigne", diz o editor Carlos Andreazza, da Record, que publicou biografias não autorizadas de José Dirceu e Eike Batista.