Crítica teatro/drama
Tarcísio Meira é o coração de 'O Camareiro'
Na peça de Ronald Harwood, o ator de televisão mostra força ao entrar em cena e prova que nasceu para ser rei
Tarcísio Meira é escolha inusitada para fazer o "Sir" de "O Camareiro", peça de Ronald Harwood que se firmou como um dos melhores retratos do teatro inglês, de seus bastidores e conflitos.
É o personagem de um ator consagrado de teatro, cavaleiro do reino, de grandes interpretações shakespearianas como Otelo e, na trama da peça, Lear. Não é o caso de Tarcísio, apesar das dezenas de peças em que já atuou.
É um ator de televisão, mais até, é a própria incorporação do ator de telenovela, uma instituição nacional –ele que já estava lá, protagonista do primeiro folhetim diário brasileiro, "2-5499 Ocupado", de 1963, junto com a mulher, Glória Menezes.
É quase inverossimilhante fazê-lo passar pelos desesperos do ator diante do público de teatro, sustentado e instigado por seu camareiro. Mas, com tudo contra, é ele o coração do espetáculo.
É em torno dele que tudo roda, de sua presença e angústia, até da inesperada força para sair da letargia, da prostração do ator à beira da morte, para um interesse súbito e faceiro por uma atriz muito mais jovem.
Mais importante: sua força para finalmente entrar em cena, na peça dentro da peça, e ostentar a voz estrondosa do rei. O cineasta –e ator shakespeariano– Orson Welles dizia não ser bom ator, mas um bom ator-rei, velha classificação dos elencos de teatro. Tarcísio Meira, ele também, nasceu para ser rei.
Não é um ator de teatro tão constante quanto o personagem, há duas décadas não subia ao palco, mas sua interpretação é entusiasmante.
A encenação de Ulysses Cruz é bem elaborada e, ela própria, uma celebração do teatro. O diretor, a exemplo do colega de geração Gabriel Villela em "A Tempestade", de tema próximo, se mostra seguro, amadurecido, com um olhar terno sobre o ofício teatral que se percebe nos movimentos dos atores, nos detalhes dos cenários.
É uma grande homenagem de Cruz e de seus parceiros de cenografia, André Cortez, de iluminação, Domingos Quintiliano, também de figurino e visagismo, aos atores.
No elenco, essa aceitação e saudação do teatro como ele é, com suas atitudes ridículas e paixões eternas, grandes sacrifícios e maiores mesquinharias, também está presente –como galharufas, por assim dizer, a expressão usada no teatro para os mecanismos e pequenas mensagens, segredos, que os velhos atores deixam aos mais novos.
Em alguns intérpretes, como Karin Rodrigues, no papel da diretora de cena, percebe-se na própria postura física esse retrato das coxias, do que tem de exasperante e também de persistente.
Por outro lado, Kiko Mascarenhas, no papel do camareiro, se excede nos trejeitos, levando um texto para uma comédia mais popularesca. Idealizador do projeto, é quem mais o desperdiça.
Não precisaria ser um Ian McKellen, o célebre ator inglês que interpreta o camareiro na nova versão da peça para cinema, que será lançada até o fim do ano, mas certamente poderia explorar melhor as deixas cômicas, que resultam quase todas em suas mãos.
O CAMAREIRO
QUANDO Sex. e sáb., 21h. dom., 18h
ONDE Teatro Porto Seguro - al. Barão de Piracicaba, 740, centro de SP, tel. (11) 3226-7300
QUANTO R$ 80 a R$ 100
AVALIAÇÃO muito bom