Crítica literatura/romance
Novo '50 Tons' é requentado e falocêntrico
Difícil identificar a que propósito vem 'Grey', da escritora E.L. James, que opta sempre por uma narrativa quadrada
Dia desses, caminhando pelo centro de Buenos Aires comprei, por impulso, um livro da Celine, "Esposa Infiel". A literatura muito vendida e escondida, com propósitos sempre pérfidos, povoavam a gaveta da minha avó. Até posso ouvir a mãe da minha mãe, a amante infiel, dizendo: "Se eu escrevesse um livro como este, o pau do meu amado nunca mais ia descer".
O que valia a leitura desses best-sellers? Talvez o fato de Celine ter usado como recurso a primeira pessoa feminina, assim como os romances "Sabrina" e "Bianca".
O fato é que "Grey", o novo romance cor-de-rosa do momento, nessa roleta aqui deu preto, e a coincidência é a carta da vez.
O novo volume da saga de E.L. James traz à tona a voz masculina. Acompanhamos a mesmíssima trama, desta vez pela perspectiva de Grey. Arruinando, assim, a leitura de quem já sabe onde a história vai parar.
Difícil identificar a que propósito vem a obra da escritora que opta sempre por uma narrativa quadrada, sem estilo narrativo.
E para quem já leu cada lágrima caída dessa vagina virginal no primeiro tom de cinza, espere apenas uma historia requentada de um personagem falocêntrico.
Como recurso narrativo clichê: a mãe, vilã fantasmagórica, é responsável pelos pesadelos do protagonista, figura já conhecida como bastante atormentada.
"'Mamãe. Meu carro'. Ela não me ouve. Agarro as saias dela. Puxo sua mão, ela deita e fecha os olhos. 'Agora não, seu verme'", escreve James em uma passagem.
Castigar a previsível perversão feminina soa como esporte preferido do tumultuado empresário nas horas vagas. Um tipo que conversa sobre signo no elevador e dá gorjetas ao ascensorista.
"Como essa jovem pode ser jornalista? Não tem um pingo de firmeza. É atrapalhada, mansa"¦ submissa", raciocina.
E. L. James não me parece uma inocente. Sabe que só se transgride o proibido. E, na tentativa de fazer o serviço, utiliza palavras de baixo calão que mais lembram aquele tio que perdeu o humor e continua fazendo piadas.
Hoje em dia tudo o que dá certo vira um site, uma caneca, um produto. James poderia aproveitar o sucesso e criar a boneca inflável da Anastasia, resistente a chicotadas. Por que mais um livro?
"Este livro é dedicado àqueles leitores que pediram"¦ e pediram"¦ e pediram"¦ e pediram por isso", terceiriza a autora na dedicatória do romance.
O público tremeu como se estivesse montado em uma Harley-Davidson, o vibrador de muitos mil dólares. "Grey" foi o livro mais pedido na pré-venda em 2015 na Amazon, com direito a lançamento à meia-noite e o festim todo. Já a crítica maldisse.
O jornal britânico "The Guardian" questionou: "Alguém realmente sabe o que o personagem faz no trabalho?", uma pergunta que parece não interessar a escritora e aos seus leitores que, no momento, reverenciam a "regênesis" de Adão e Eva.
O chicote proibido. A maça já mordida, mastigada e deglutida. O velho casamento entre o bem e o mal.
Na casa das meninas de boa fama ainda se baila a rigor.
GREY - CINQUENTA TONS DE CINZA PELOS OLHOS DE CHRISTIAN
AUTOR E.L. James
TRADUÇÃO Adalgisa Campos da Silva
EDITORA Intrinseca
QUANTO R$ 31,90 (528 págs.)
AVALIAÇÃO ruim