Crítica história

Livro tenta fazer síntese da história do nazismo

Um livro de mais de mil páginas que pode ser descrito como uma "síntese" dá uma boa pista de como é volumosa a historiografia da Alemanha nazista.

O autor, o historiador britânico Richard J. Evans, destilou enormes quantidades de livros e artigos sobre o nazismo para escrever essa "síntese", ou, como ele diz, "obra de referência".

Muito do que está no livro não é novidade -é obviamente difícil encontrar o que revelar de novo ou espetacular sobre o tema-, embora existam dados pouco comuns e documentos raros pouco citados antes.

E convém checar alguns dados e datas antes de citar -errinhos acontecem numa obra desta dimensão, como dizer que a derrota italiana em Adowa para os etíopes foi em 1916, em vez de 1896.

E, apesar de ser uma "síntese", trata-se meramente do segundo volume de uma trilogia maciça que pretendeu contar a história da tomada do poder pelos seguidores de Adolf Hitler (tema do primeiro livro, lançado no Brasil como "A Chegada do Terceiro Reich" pela editora Planeta), seus primeiros seis anos governando a Alemanha (tema deste) e o relato da Segunda Guerra Mundial e da derrota.

"O Terceiro Reich no Poder" relata a história da Alemanha nazista de 1933 a 1939 sob variados ângulos.

É um livro de história social, por isso Evans, professor da Universidade Cambridge, no Reino Unido, não relata apenas os fatos "macro" de política e economia, mas entra em detalhes "micro" da vida cultural, da vida cotidiana sob um Estado policial, da perseguição aos judeus e da tentativa totalitária de criar um "novo homem".

Evans tornou-se mais conhecido internacionalmente pelo seu papel no caso do colega David Irving, acusado pela historiadora americana Deborah Lipstadt de negar a existência do holocausto.

Evans serviu como expert na defesa de Lipstadt, detonando os "argumentos" de Irving, que perdeu a ação e chegou a passar um ano na prisão na Áustria. A participação no caso fez ele perceber que faltava uma obra de síntese sobre o tema, o que o fez embarcar na trilogia.

É particularmente assustador ver como os nazistas foram derrubando o aparato legal da Alemanha, eliminando as barreiras da lei que impediam o abuso do poder e a restrição das liberdades individuais, mas mantendo uma fachada de "legalidade".

Uma das abordagens de Evans é particularmente original: ele demonstra que, longe de ser uma ideologia meramente "reacionária", o nazismo continha grandes doses de modernidade, se apoiando em avanços científicos e tecnológicos.

É o caso do uso eficiente do rádio, do cinema e do controle dos meios de comunicação; ou a importância dada a avanços na aviação, na tecnologia militar, ou mesmo em objetos do cotidiano -como a criação do "carro do povo", o Volkswagen sedan, que veio a ser produzido em países nada "arianos" como o Brasil.

Evans também argumenta que o objetivo último de Hitler e seus asseclas era a guerra de conquista, como ele deixa claro em "Minha Luta" ("Mein Kampf"). O objetivo era conquistar o "espaço vital" no leste europeu para uma população alemã crescente, escravizando os povos eslavos que ali habitavam.

Hitler poderia ter sido brecado em vários momentos nos anos 30, quando suas preparações militares eram modestas. Mas as políticas de apaziguamento do Reino Unido e França deixaram o "líder" cada vez mais ousado.

Hitler foi oportunista e sortudo em momentos como a remilitarização da Renânia, a absorção da Áustria e da então Tchecoslováquia. Deu no que deu -a guerra mais devastadora da história humana, tema do terceiro livro, já publicado no exterior, ainda inédito aqui.

O TERCEIRO REICH NO PODER
AUTOR Richard J. Evans
EDITORA Planeta
TRADUÇÃO Lucia Brito
QUANTO R$ 129,90 (1.040 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo