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Música futurista de Sun Ra reverbera até no maracatu

Jorge Du Peixe, vocalista da Nação Zumbi, conta que seu grupo se identifica a proposta musical afrofuturista

Fundador da 'Arkestra', que tem percussionista brasileiro, foi pioneiro no uso de teclados eletrônicos no jazz

DE SÃO PAULO

Além da influência para artistas do jazz ao funk, passando pelo pop e pelo hip-hop, a música cósmica de Sun Ra causou efeito fulminante no mangue, que captou suas vibrações pelas antenas de Chico Science e Nação Zumbi.

"O maracatu traz um pouco do afrofuturismo", acredita o vocalista da Nação, Jorge Du Peixe, que vê parte dessa estética nas vestes psicodélicas usadas nas celebrações do maracatu.

"A gente conheceu Sun Ra mais tarde, quando passou a ouvir o 'outer-space jazz' [jazz espacial] e seus sons mais abstratos", lembra Du Peixe. "Depois, nos enxergamos em sua proposta. Com certeza ele está presente nas intenções sonoras da Nação Zumbi."

Nos anos 1950, no entanto, quando Sun Ra formou sua orquestra, este termo não existia. Apareceu pela primeira vez em 1994, no ensaio "Black to the Future", do jornalista americano Mark Dery, então professor da Universidade de Nova York.

O ensaio debatia a estética criada por músicos, escritores e artistas plásticos que refletiam sobre o futuro pelas lentes da cultura negra.

O saxofonista Marshall Allen tem uma definição política para o afrofuturismo. Para ele, trata-se de uma estética que coloca os negros num cenário de ficção científica para os distanciar da realidade da época -quando afrodescendentes podiam tocar para os brancos nos salões de baile dos EUA, mas jamais se misturar a eles.

A temática espacial transcendia essa realidade.

Sun Ra sintetizava essa proposta estendendo à música seu fascínio por mitologia egípcia e literatura fantástica, que usava para reafirmar a identidade africana.

Na prática, isso ocorria em intensa rotina de ensaios, nos quais os instrumentistas exploravam variações do jazz.

O percussionista brasileiro Elson Nascimento, há 24 anos integrante da "arkestra", explica que essa rotina ainda é a mesma.

"Nos reunimos todos os dias na casa de Sun Ra, onde hoje vive Marshall [Allen]", conta Nascimento. "Renovamos o repertório sem deixar de lado a música de raiz."

Essas reuniões, afirma Allen, ocorrem para dar continuidade à busca da Sun Ra Arkestra por novas sonoridades. "Sun Ra dizia que cada instrumento tinha um som, e que era preciso extrair diversidade dos músicos e de seus equipamentos."

No caso de Sun Ra, seu próprio desafio era subverter os teclados. Ele foi o primeiro a usar os eletrônicos no jazz e a criar os efeitos para compor sua atmosfera viajante.

Por todas essas características, a música de Sun Ra continua na vanguarda. O segredo, conta Allen, é tocar de acordo com o "clima".

"Faço o que estou sentindo no momento. Não importa onde estamos, o som nunca será o mesmo. O que vamos mostrar no Brasil só saberei quando chegar aí, e sentir."

(ADRIANA FERREIRA SILVA)

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