Índice geral Ilustrada
Ilustrada
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

O pequeno narcopríncipe

Com trajetória editorial vigorosa, livro narrado por garoto que é filho de um traficante cria alegoria desencantada do México de hoje

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

O mexicano Juan Pablo Villalobos morava em Barcelona e sobrevivia de marketing quando, em 2006, começou a escrever seu primeiro romance, "Festa no Covil".

No fim daquele ano, tomou posse no México o presidente Felipe Calderón, abrindo uma guerra ao narcotráfico que engolfou o país e já matou mais de 40 mil pessoas.

O livro cumpriu uma trajetória quase tão incrível quanto a da escalada da violência: lançado em 2010, já tem traduções para 13 idiomas, foi elogiado por onde passou (indicado para um prêmio do jornal londrino "The Guardian") e sai agora no Brasil pela Companhia das Letras.

"Festa no Covil" é uma história curta, de 73 páginas, definida pelo autor como romance mas que bem pode ser tomada por novela. É narrada por um garoto, filho de um traficante, que vive num palácio no meio do nada.

O isolamento forçado cria um personagem complexo e caprichoso, que tem como sonho incorporar ao seu zoológico particular o raríssimo hipopótamo anão da Libéria.

Uma expedição ao país africano, batismo de fogo da criança, captura um macho e uma fêmea, nomeados pelo menino de Luís 16 e Maria Antonieta da Áustria, cujo destino está no desfecho do livro.

Repleta de alegorias -o palácio seria o México; a ausência da mãe, uma metáfora do peso da figura materna na sociedade do país-, a obra pode ser vista ainda como uma fábula às avessas, já que todos os personagens têm nomes de animais.

Só que são nomes indígenas, na língua asteca náhuatl: o garoto é Tochtli (coelho); seu pai, Yolcaut (serpente); seu tutor, o escritor frustrado Mazatzin (veado).

Villalobos, 38, mora desde setembro em Campinas (SP), com a mulher, a tradutora brasileira Andreia Moroni (que verteu a obra ao português), e dois filhos, Mateo, 5, e Ana Sofia, 2.

VIAGRA

O casal se conheceu no doutorado em literatura na Universidade Autônoma da Barcelona. Ele se formara em marketing no México e fora sócio numa empresa de pesquisa de mercado que teve entre seus clientes o Viagra, remédio para o tratamento de disfunção erétil.

Em Barcelona, trabalhava para uma empresa brasileira de comércio eletrônico. Já fora ignorado por duas editoras quando enviou o original para a espanhola Anagrama.

Recebeu um e-mail do respeitado editor Jorge Herralde avisando que o publicaria.

Crítico de Calderón e indeciso na eleição presidencial de julho entre anular o voto ou optar pelo esquerdista López Obrador, Villalobos define sua obra como "um romance sobre a inocência, a solidão e o poder".

Conta que levou seis meses para escrevê-la, mas um ano e meio para "acertar o tom e escolher o narrador".

Diz que aí mora sua alavanca literária. "Todo processo criativo passa pela voz narrativa. Não estou preocupado com o enredo, acho um saco descrever. Quero trabalhar com a imaginação do leitor, para que ele complete os vazios do livro a partir de seu sistema de valores."

A perspectiva infantil levou críticos a associarem o romance a "Alice no País das Maravilhas", de Lewis Carroll, ou de "Pelos Olhos de Maisie", de Henry James.

O autor diz que não pensou em nada disso, mas que, após o lançamento, bombardeado por questões sobre o assunto, percebeu uma vinculação de seu livro com três obras: "Cartucho", da mexicana Nellie Campobello; "Un mundo para Julius", do peruano Alfredo Bryce Echenique; e "O Apanhador no Campo de Centeio", do americano J.D. Salinger.

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.