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Opinião/Oscar de filme estrangeiro

Favorito, longa iraniano manipula espectador

'A Separação', de Asghar Farhadi, que concorre ainda pelo roteiro, omite dado crucial para forçar identificação

PEDRO BUTCHER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Poucos filmes recentes foram cercados de tamanha unanimidade quanto "A Separação". Há exatamente um ano, em fevereiro de 2011, o filme de Asghar Farhadi saiu do Festival de Berlim com o Urso de Ouro e vários outros prêmios.

Desde então, vem acumulando láureas e elogios em uma carreira inigualável, que muito provavelmente culminará com o Oscar de melhor filme estrangeiro no próximo domingo (26).

Pois, caro leitor, permita-me uma opinião dissonante. Em primeiro lugar, é fundamental reconhecer: "A Separação" apresenta às plateias internacionais um Irã urbano que não costuma ser visto na tela, o que por si só já garante a curiosidade. O trabalho dos atores, também consagrado em Berlim, de fato é impecável.

No entanto, três pontos essenciais me causaram profundo incômodo (e, por favor, caso você ainda não tenha visto o filme, pare de ler esse texto aqui, porque a partir de agora é inevitável comentar alguns detalhes cruciais da trama).

O primeiro deles foi a estranha sensação de ser um bolinha de pingue-pongue nas mãos do diretor. De uma forma geral, não tenho problemas em me sentir manipulado, desde que essa característica esteja integrada à proposta do filme de uma forma coerente.

Todos os personagens de "A Separação" mentem em algum momento. Essa sucessão de pequenas mentiras, em geral ditas no calor de uma hora emotiva, levam a uma total impossibilidade de entendimento entre eles e à complexidade da trama.

Farhadi é muito hábil na construção das identificações momentâneas do espectador com cada personagem -e vem daí essa sensação de ser um joguete em suas mãos.

O problema é que Farhadi usa essa estratégia ardilosamente, muito mais interessado em seus efeitos do que na necessidade criada pela história e por seus personagens. Tudo isso é reforçando por uma estética realista e documental no filme.

O segundo ponto está diretamente relacionado a essa tática ardilosa. "A Separação" alterna o ponto de vista dos personagens principais e, enquanto a câmera está com um deles, em geral não "sai" dali -exceto em um momento específico. Por que, em determinado ponto da história, Farhadi precisou omitir um dado essencial da trama (o atropelamento da mulher grávida)?

Pelo efeito, simplesmente. Se não houvesse o corte que omite essa informação e o espectador soubesse desse fato, o castelo de "A Separação" desmoronaria. É estranho, no entanto, que Farhadi só recorra à elipse nesse ponto. No fundo, é uma decisão que reflete certa condescendência com essa personagem.

A mulher grávida também omitirá o atropelamento diante da justiça. E daí vem o terceiro ponto de estranhamento. Nesse e em alguns outros momentos da trama, quando a "verdade" vem à tona, o que funciona como catalisador dessa revelação é a religião. É quando algum personagem recorre à ameaça ("jure sobre o Corão") que mentiras se desfazem.

Está certo: esse detalhe pode "revelar a força da religião na sociedade iraniana". Mas até que ponto a própria trama não introjeta a crença nessa verdade religiosa libertadora das mentiras?

A SEPARAÇÃO

DIREÇÃO Asghar Farhadi
PRODUÇÃO Irã, 2010
COM Leila Hatami, Peyman Moadi
ONDE Espaço Unibanco Augusta, Reserva Cultural e circuito
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ruim

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