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Livros

Crítica memória

Olhar cruel ao passado dá modernidade a Nava

"Baú de Ossos" e "Balão Cativo", os volumes iniciais das memórias do escritor mineiro, ganham nova edição

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

O passado, disse o autor L. P. Hartley (1895-1972), "é um país estrangeiro; lá, as coisas se fazem de modo diferente".

No país de Pedro Nava (1903-1984), jogava-se futebol de gravata. Mulheres não iam a enterro. A literatura pornográfica era vendida pelos engraxates.

Comia-se olho de pomba torrado para curar cegueira. No cinema, era divertido assoprar as nucas das senhoras da fileira da frente. Vinte anos depois do fim da escravidão, as criadas negras ainda apanhavam de palmatória.

Falava-se de forma estranha também. Convém ter um dicionário perto ao ler "Baú de Ossos" e "Balão Cativo", os dois primeiros volumes das memórias de Pedro Nava, que saem agora reeditados pela Companhia das Letras, com bons prefácios.

Fuão. Ronha. Craquenéis. Bedonante. (Ou seja, fulano; astúcia; espécie de sequilho; barrigudo). Há palavras assim em cada página.

A riqueza vocabular, a que não faltam galicismos e neologismos, e a capacidade fotográfica de reviver a estranheza e a barbárie do passado são os dois principais responsáveis pelo lugar de destaque alcançado pelas memórias de Pedro Nava.

Houve, também, o fato "jornalístico" de sua estreia tardia nas letras. Médico eminente, amigo de intelectuais, Nava parecia resignado apenas a uma breve aparição na "Antologia de Poetas Bissextos", organizada por Manuel Bandeira em 1946.

Foi só aos 69 anos que ele publicou "Baú de Ossos", o primeiro dos seus sete livros de memórias. Teve imediata consagração. Um ano depois, em 1973, saía "Balão Cativo", livro melhor que o primeiro.

RESTRIÇÕES

Mesmo seus admiradores encontraram, todavia, motivos para alguma restrição. A mania genealógica de Nava, especialmente em "Baú de Ossos", é responsável por páginas e páginas de tédio.

Listas de nomes reaparecem a propósito de temas como a política cearense nos idos de 1892, ou a história do Colégio Pedro 2º, onde Nava estudou na adolescência.

É que atrás do memorialista existia, também, um arquivista e um historiador social. "Sou capaz de lembrar cada coisa, cada detalhe, cada um-por-um", gaba-se o autor. A estrutura da obra se ressente muito disso.

Nava dá a impressão de escrever aos arrancos, alternando seus melhores momentos (em que morte e sexo se alternam numa dança macabra) com páginas de puro relatório e, ainda mais, as que revelam uma intenção "literária" no pior sentido -peças "de antologia" sobre as nuvens de Minas, sobre quitutes de Minas, sobre Minas.

Diferentemente de Proust, seu modelo confesso, Nava não fez de suas memórias uma arquitetura coerente, talvez porque não seja visível, no que ele viveu, o sentido de um aprendizado, de uma descoberta sobre como ver (e entender) o mundo.

Sua obra, melhor nos momentos de crueza e de violência, tem mais vivo o sentido do choque e da perda do que o sentimento da recuperação e da redescoberta da vida.

É o que faz a modernidade desse escritor muitas vezes convencional, e a originalidade de uma escrita frequentemente comprometida pela autocomplacência, pela digressão e pelo mau gosto.

BAÚ DE OSSOS
AUTOR Pedro Nava
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 54,50 (492 págs.)
AVALIAÇÃO bom

BALÃO CATIVO
QUANTO R$ 52 (424 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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