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Crítica romance

'Perdição' expõe males da ignorância, mas não consegue evitar o banal

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Desde a sua estreia com "Tremor de Terra" (1967), o mineiro Luiz Vilela se consagrou como um dos melhores contistas brasileiros do período, ao lado de autores como Rubem Fonseca, Sérgio Sant'Anna e Dalton Trevisan.

Alcançou reconhecimento também como romancista, em livros como "Os Novos" (1971) e "Entre Amigos" (1983). Nos dois gêneros, é notável o seu domínio dos diálogos, secos e fluentes, meticulosos e irônicos.

"Perdição", seu último romance, quase se poderia considerar uma coleção de diálogos com uma narrativa implícita. É assim que, por meio de conversas entre Ramon, jornalista do interior de Minas, e conhecidos da cidade, narra-se, em três tempos, a história de Leonardo, pescador e vendedor de peixes.

No primeiro, Leo, aos 25 anos, é convencido por certo "Mister Jones", chefe de uma nova religião, a se tornar pastor. Contra isso se opõe a vidente local, que Leo consulta, mas não atende.

A segunda parte o apresenta enricado e com um programa de televisão baseado em exorcismos e bênçãos. Torna-se portador de todo signo de emergente: carrão, terno e gravata; compra apartamento de frente para o mar e deslumbra-se com o espetáculo da queima de fogos em Copacabana; ostenta mentalidade de "vencedor".

No terceiro momento, há o revés da escalada rumo ao sucesso, quando ele se percebe impotente para sustentar, diante de um acidente grave da filha, as curas milagrosas apresentadas na TV.

Dito assim, pareceria que o foco do livro é a condenação desse tipo de seita midiática bem conhecida.

Mas, se condenação há, ela é mais ampla, atingindo desde as crendices da vidente até a tentativa dos católicos de representar a única religião íntegra. Todos os credos vão para a berlinda no livro.

Nenhuma berlinda, porém, que todos já não conheçam. O mesmo ocorre com os diálogos, que se arrastam por páginas de revelações já sabidas. A rigor, são conversas moles que confirmam a existência banal.

É este o núcleo do livro: não apenas acusar a religiões, mas os males da ignorância resumidos na implacável banalidade de tudo.

Mas é nesse ponto que o livro prova de seu próprio veneno. Quando não faz outra coisa que disseminar as conversas mais estúpidas, percebe-se nele certa identidade com a praga que denuncia.

Narrar, aqui, é quase equivalente a um resmungo ("Hum..." -o bordão mais vezes dito pelo jornalista), mais ou menos irônico.

Evidentemente não é antídoto contra a banalidade: antes pode dissimular sem sucesso uma maneira de se entregar ao tédio.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp.

PERDIÇÃO
AUTOR Luiz Vilela
EDITORA Record
QUANTO R$ 39,90 (398 págs.)
AVALIAÇÃO regular

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