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Crítica psicanálise Texto de Freud de 1917 explicita a natureza de nossas identidades Reedição de tradução pioneira de Marilene Carone para "Luto e Melancolia" traz belos estudos introdutórios VLADIMIR SAFATLECOLUNISTA DA FOLHA Uma das inovações de Freud encontra-se na sua maneira de repensar as relações entre normalidade e patologia. Freud dizia que um cristal, quando se quebra, respeita os sulcos que existiam antes, mas que eram invisíveis ao olho humano. Assim, se quisermos entender a estrutura do cristal, devemos partir de seu estado quebrado. Da mesma forma, se quisermos entender a estrutura da normalidade, devemos partir deste no qual a normalidade se quebra. Nada do que é patológico nos é estranho, pois ele diz em voz alta o que sentimos em silêncio. Poucos são os textos de Freud em que vemos esse pressuposto em operação com tanta radicalidade quanto em "Luto e Melancolia". A nova edição da tradução (a primeira digna desse nome em língua portuguesa) de Marilene Carone (1942-1987), traz dois belos estudos escritos por Maria Rita Kehl e Urania Tourinho, além de uma introdução à tradução. Um dos méritos do texto está em sua capacidade de inserir a etiologia da melancolia no interior de uma reflexão mais ampla sobre as relações amorosas. Freud sabe que o amor não é apenas o nome que damos para uma escolha afetiva de objeto. Ele é a base dos processos de formação da identidade subjetiva. Esta é uma maneira de dizer que as verdadeiras relações amorosas colocam em circulação dinâmicas de formação da identidade, já que tais relações fornecem o modelo elementar de laços sociais capazes de socializar o desejo. Isto talvez explique por que Freud aproxima luto e melancolia a fim de lembrar que se tratam de duas modalidades de perda de objeto amado. Um objeto de amor foi perdido e nada parece poder substituí-lo. No entanto, o melancólico mostraria algo ausente no luto: o rebaixamento brutal do sentimento de autoestima. Como se, na melancolia, uma parte do Eu se voltasse contra si próprio, através de autorrecriminações e acusações. A tese fundamental de Freud consiste em dizer que ocorreu, na verdade, uma identificação do Eu com o objeto abandonado de amor. Tudo se passa como se a sombra desse objeto fosse internalizada, como se a melancolia fosse a continuação desesperada de um amor que não pode lidar com a situação da perda. Incapacidade vinda do fato de a perda do objeto que amo colocar em questão o próprio fundamento da minha identidade. Mais fácil mostrar que a voz do objeto ainda permanece em mim, isto através da autoacusação patológica contra aquilo que, em mim, parece ter fracassado. Essa é uma maneira de dizer que a melancolia é o cristal quebrado que nos mostra a natureza radicalmente relacional de nossas identidades. Conhecer tal natureza sempre foi a melhor forma de lidar com seus desafios.
LUTO E MELANCOLIA |
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