'Pornô para mães' seduz norte-americanas

"Fifty Shades of Grey" (cinquenta tons de cinza), romance erótico de uma autora pouco conhecida, já foi descrito como "'Crepúsculo' para adultos" ou "pornô para mamães". O livro vem eletrizando as americanas, que o divulgam em páginas do Facebook, em funções escolares e em aulas de "spinning".

O problema tem sido encontrar o livro. Primeiro de uma trilogia, foi publicado por uma pequena editora independente da Austrália, e sua distribuição no formato impresso vem sendo lenta e limitada, deixando as livrarias sem exemplares.

A maior parte do total de suas vendas (mais de 250 mil exemplares dos três livros somados) vem de discretos downloads em e-books, que levaram "Fifty Shades of Grey" ao primeiro lugar na lista do "New York Times" dos livros de ficção mais vendidos em formato eletrônico na semana retrasada e ao terceiro lugar na lista da Amazon.

Editoras americanas acabam de concluir uma batalha pelos direitos de relançar o livro com honras de blockbuster, como consideram que a obra merece.

Nesta semana, a Vintage Books, que faz parte do grupo Knopf Doubleday Publishing, de credenciais literárias respeitadas, venceu uma disputa pelos direitos da trilogia, pagando por isso uma soma de sete algarismos.

Na segunda-feira, a editora vai lançar novas edições da trilogia para e-books. Em semanas, chegará uma nova tiragem de 750 mil exemplares de edições em papel redesenhadas, em brochura.

"Estamos apostando que isto transcende um só gênero", disse Anne Messitte, a publisher da Vintage Anchor.

A trilogia foi escrita pela britânica E. L. James, ex-executiva de televisão que iniciou a série postando "fan fiction" on-line.

Lançados no ano passado, os livros tratam da vida do magnata rico e bonitão Christian Grey e da inocente universitária Anastasia Steele, aficionados por chicotes, correntes e algemas, que mergulham num relacionamento de domínio e submissão.

A narrativa é construída com a prosa bombástica típica de romances descartáveis, com frases como "minha deusa interior está fazendo a dança dos sete véus".

EFEITOS EM CASA

Executivos da área editorial disseram que a repercussão boca a boca de "Fifty Shades of Grey" lembra o interesse que acompanhou romances como "O Código Da Vinci", "O Caçador de Pipas" e "Comer, Rezar, Amar".

Com a diferença de que outra façanha está sendo atribuída a este livro: apresentar as mulheres, que geralmente leem ficção literária ou comercial comum, à ficção erótica explícita.

E, em Nova York, Denver, Minneapolis e seus subúrbios, as mulheres que devoraram a trilogia dizem que estão sentindo seus efeitos benéficos em casa.

"Os livros andam reacendendo o fogo de muitos casamentos", disse Lyss Stern, fundadora do site DivaMoms.com e uma das primeiras fãs da série. "Acho que a leitura dos livros faz você se sentir sexy outra vez."

Exigindo anonimato para não constranger seu empregador, uma mulher de Long Island contou que o livro ganhou fãs obsessivas entre suas amigas e é o primeiro romance erótico que elas comentaram entre si.

"Confessar que assistem a pornografia é tabu para as mulheres, mas, por alguma razão, admitir que estão lendo este livro não é problema."

A trilogia tem seus detratores. Alguns comentaristas a desancaram por sua violência explícita e o tratamento antiquado dado às mulheres, algo que é mostrado com clareza especial na personagem de Anastasia, moça ingênua e desajeitada que se deixa perseguir e açoitar com chicote de equitação de couro.

"O que achei fascinante é que há todas essas mulheres inteligentes, instruídas e supermotivadas dizendo que este é o livro mais incrível que já leram", comentou Meg Lazarus, ex-advogada de 38 anos de Scarsdale. "Fifty Shades of Grey" vem sendo o grande assunto de suas amigas e conhecidas. "Não entendo. Há muita violência. O sujeito às vezes é repulsivo."

Os autores de resenhas online criticam a autora por sua prosa tacanha.

"Os livros são longos demais", disse a blogueira Sarah Wendell, co-autora de "Beyond Heaving Bosoms". "Sofrem da falta de conteúdo e de ritmo. São muito densos, com inúmeros detalhes. Não vão a lugar algum."

Mas executivos da Vintage pensam que as vendas da trilogia até agora não passam da ponta de um iceberg.

O interesse por "Fifty Shades of Grey" tem sido maior em Nova York, Nova Jersey, Pensilvânia, Minnesota e Flórida, segundo resultados de ferramenta que indexa tendências de busca no Google.

Na tarde de sexta-feira passada, o livro estava esgotado nas lojas da Barnes & Noble em Salt Lake City, Minneapolis, Seattle, Boston e Kansas City. O fato sugere que, assim que as novas cópias em brochura forem distribuídas em grande escala, as vendas das edições impressas devem bombar. É provável que o preço mais leve também ajude: quando a Vintage lançar sua edição em brochura, o preço cairá de US$ 29,99 (R$ 53) para US$ 15,95 (R$ 28).

CINEMA

A agente de E. L. James, Valerie Hoskins, de Londres, estuda ofertas de produtores de Hollywood, interessados nos direitos para o cinema, e de editoras estrangeiras.

"Acho que o sucesso só vai aumentar. No século 21, as mulheres podem ler este tipo de material sem que ninguém saiba o que estão lendo, porque podem ler em seus iPads e Kindles", disse.

Onde há edições impressas de "Fifty Shades" ainda disponíveis, muitas livrarias independentes têm colocado o livro em posição de destaque nas vitrines, um lugar incomum para uma obra erótica.

Tradução de CLARA ALLAIN