Texto Anterior
|
Próximo Texto
| Índice | Comunicar Erros
Crítica Não Ficção Roth tece relato comovente sobre o pai Em nova tradução, livro introduz tema da decadência física e da morte, que marcará obra do autor Ao longo do romance o trágico e o cômico se alternam, concentrando emoções contrastantes NELSON DE OLIVEIRAESPECIAL PARA A FOLHA Certa manhã, o senhor Herman Roth olhou no espelho e teve uma surpresa. Metade de seu rosto já não lhe pertencia mais, estava paralisada. Motivo: um tumor cerebral (ainda ignorado). Nessa época, Herman tinha 87 anos, e seu filho, o festejado romancista americano Philip Roth, 55. "Patrimônio", lançado em 1991, é o relato pormenorizado da decadência física e da morte de um pai. E do vórtice que esse processo de degradação provocou. A narração é quase jornalística, sem firulas. Ao longo do romance, o trágico e o cômico se alternam, concentrando emoções contrastantes. Porém jamais abrindo o menor espaço ao sentimentalismo. O subtítulo "uma história real" faz todo o sentido. Real porque nua e crua. "Ali estava meu patrimônio: não o dinheiro, não os tefilins, não a tigela de barbear, mas a merda", reconhece o autor-narrador perto do final do romance, enquanto limpa o banheiro furiosamente atacado pelos intestinos descontrolados do pai. Situações como essa, boas para uma explosão nervosa, há aos montes. Mas tudo o que poderia ser dito com raiva e grandiloquência é dito pacificamente. Não há emocionalismo, como também não há filosofismo, queixume ou impropérios lançados contra a sorte e os deuses. Há apenas constatação: "Morrer dá trabalho, e ele era um trabalhador. Morrer é pavoroso, e papai estava morrendo". AFLIÇÃO O tumor vai crescendo, desligando uma a uma as principais funções corporais. É hora do acerto de contas entre pai e filho. Voltam as boas e más lembranças da infância e da juventude em Newark (Nova Jersey). Voltam as questões judaicas: holocausto e antissemitismo, fagulhas na assimilação dos judeus nos Estados Unidos. Não há muita novidade nesse passado, que já foi visitado de muitas maneiras nos romances anteriores e posteriores, lançados no Brasil pela Companhia das Letras. A novidade está no presente. Nas situações que seriam tristes, se não fossem cômicas: a apresentação de um grupo de músicos muito idosos, a viagem com um taxista maníaco, a tocante cena em que o filho é forçado a guardar no bolso uma dentadura molhada de saliva, entre outras. Esse romance não ficcional será mais aflitivo quanto mais idade tiver o leitor. DIVISOR "Patrimônio" é também um divisor de águas na carreira de Philip Roth. A partir da forte experiência com o final do pai -e com o próprio envelhecimento-, o tema da decadência física e da morte aparecerá com mais frequência em sua ficção. Em "Homem Comum" (2006), por exemplo, o narrador constata que a "a velhice não é uma batalha, a velhice é um massacre". Também em "Fantasma Sai de Cena" (2007) e "A Humilhação" (2009), o grande inimigo da dignidade humana são as doenças que levam à extinção aviltante. PATRIMÔNIO AUTOR Philip Roth TRADUÇÃO Jorio Dauster EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 34 (192 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |