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Crítica dramaturgia

Esquematismo ideológico marca estreia brasileira do escritor

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Primeira obra do nigeriano Wole Soyinka publicada no Brasil, "O Leão e a Joia" é uma peça teatral que trata do processo de modernização africana com muito esquematismo ideológico e "cor local".

Poeta e romancista, Soyinka ganhou o Nobel de 1986 sobretudo por uma dramaturgia que funde a tradição iorubá (uma das etnias nigerianas) com o teatro europeu. Dentro desse espírito, "O Leão e a Joia" é uma típica comédia de erros em figurino pós-colonialista.

A ação se passa numa aldeia, Ilujinle, e envolve quatro personagens: Sidi, beldade cortejada por Lakunle (professor primário com ideias ocidentalizantes) e pelo "bale" Baroka, polígamo líder local cuja primeira esposa, Sadiku, agencia seu casamento com Sidi.

Cada um deles encarna uma visão de mundo exposta com didatismo nos dois atos iniciais. Em "Manhã", Lakunle encontra Sidi, condena a falta de modos com que ela expõe seu corpo ao olhar lascivo dos aldeões e quer fazer dela uma "esposa moderna", que usa "facas e garfos delicados, igual gente civilizada".

Sua concepção de modernidade, porém, é uma caricatura do colonizado que introjetou os valores do opressor.

Lakunle deseja emancipar Sidi da condição de parideira condenada a trabalhos braçais, mas, quando ela evoca o costume de vender sua virgindade, ele não hesita em dizer que, sendo mulher, Sidi tem "um cérebro menor que o dos homens".

No ato seguinte, "Meio-Dia", Sadiku mostra a Sidi as vantagens de se tornar a última esposa do "bale" (condição que faria dela a mais importante mulher do sucessor do líder) e, numa cena à parte, Baroka insinua a Sadiku que sua virilidade declina e que uma nova concubina prolongaria seu prestígio.

Nesse quadro de antíteses estereotipadas entre a sociedade moderna e o arcaísmo dos clãs, não faltam aspectos políticos, quando Lakunle desqualifica o "bale" como um "inimigo jurado do progresso", que impediu a construção de uma estrada de ferro que traria a civilização à aldeia, perpetuando a posição de "besta voluptuosa".

Também não faltam humor e ironias com aspectos cosméticos da canhestra modernização africana: em dado momento, um estrangeiro chega à aldeia trazendo uma revista com fotografias que fizera da buliçosa Sidi, que vê o preço de sua virgindade subir no mercado multicultural do exotismo e negocia seu dote com boa dose de pirraça.

Cenas como essa (em que elementos da sociedade do espetáculo aparecem miscigenados com mexericos de província) e as rubricas teatrais, indicando mímicas de rituais e tambores iorubás, nuançam um pouco alguns clichês típicos da literatura pós-colonial e anunciam o último ato. Neste, "Noite", impera a farsa de Baroka, na qual a sensualidade africana mostra sua força atávica, contra as ilusões de uma modernização importada.

O LEÃO E A JOIA
AUTOR Wole Soyinka
TRADUÇÃO William Lagos
EDITORA Geração
QUANTO R$ 24,90 (168 págs.)
AVALIAÇÃO regular

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