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Crítica / História Livro vê rusgas entre EUA e Inglaterra Interesses estratégicos dos 2 países interferiram na relação entre Reagan e Margaret Thatcher JOÃO PEREIRA COUTINHOCOLUNISTA DA FOLHA Estados Unidos e Inglaterra: uma relação especial. Eis o clichê ideológico que persiste nos livros de história e que apresenta a Casa Branca e Downing Street em sintonia permanente. Assim foi entre Roosevelt e Churchill durante a Segunda Guerra Mundial. Assim foi entre Reagan e Thatcher na década de 1980. Verdade? Não. Mentira. Para começar, qualquer historiador sério da Segunda Guerra sabe que as discórdias entre Roosevelt e Churchill eram homéricas. E, se deixarmos de lado o episódio mais violento que opôs Washington a Londres na segunda metade do século 20 (a crise do canal de Suez), é interessante notar que a historiografia contemporânea também já está a reavaliar a relação pretensamente idílica entre Reagan e Thatcher. Eis o principal mérito de Richard Aldous, professor de história inglesa em Nova York, no excelente livro "Reagan e Thatcher - Uma Relação Difícil". À primeira vista, Reagan e Thatcher seriam almas gêmeas do conservadorismo, irmanadas no seu horror à União Soviética e também dispostas a "fazer as fronteiras do Estado se retraírem". E, no entanto, explica Aldous, a relação de ambos nem sempre foi pacífica, independentemente da estima pessoal que nutriam um pelo outro desde o primeiro encontro, em abril de 1975 -quando nenhum deles havia chegado ao poder dos respectivos países. Dois exemplos dessa "relação difícil" encontram-se, ironicamente, em duas ilhas com significado profundo na carreira política dos estadistas: as Malvinas e Granada. No primeiro caso, a invasão argentina despertou a ira de Thatcher, que respondeu militarmente à provocação do governo de Galtieri. Reagan, embora solidário com a causa inglesa, fez todos os esforços para demover Thatcher da ideia de um conflito armado, que punha em causa os interesses estratégicos dos Estados Unidos na América Latina. Primeira lição: em política, as relações pessoais podem ser importantes, mas não são mais importantes do que os interesses estratégicos de uma nação soberana. De igual forma, a intervenção americana em Granada para esmagar a rebelião marxista foi vista por Londres como um ato de deslealdade intolerável para com um velho aliado: Granada, uma ex-colônia britânica, fazia parte da Comunidade Britânica e nem isso foi tido em conta pelo anticomunismo de Reagan. Aliás, falar em anticomunismo é evocar a perspectiva distinta que o presidente americano e a premiê inglesa tinham sobre a melhor forma de enfrentar Moscou. O primeiro, disposto a uma corrida armamentista que acabaria por quebrar as finanças soviéticas, ao mesmo tempo em que procurava montar um sistema antimíssil espacial. A segunda, desaprovando a ambição de Reagan e optando antes por trazer Gorbachov para a esfera de influência democrática. Quem teve razão? Provavelmente, ambos. Mas o livro de Richard Aldous não pretende tecer juízos fechados sobre a história. Até porque a tese da obra desaprova esse dogmatismo: tudo o que pensamos saber sobre as relações pessoais dos grandes líderes não sobrevive ao trabalho paciente e persistente de um historiador nos arquivos. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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