Crítica / Drama

Filme mostra maturidade do diretor, mas sem a energia do livro

É possível que poucos filmes tenham chegado à competição do Festival de Cannes com tanta expectativa quanto "Na Estrada", primeira adaptação para o cinema do célebre romance que marcou a geração "beat".

O próprio Jack Kerouac sonhava com uma versão dirigida por Marlon Brando, que nunca se concretizou, e depois da morte do autor, em 1969, passaram-se mais de 40 anos até que o projeto conseguisse sair do papel.

Que o livro de Kerouac tenha chegado às telas pelas mãos do brasileiro Walter Salles não é algo tão improvável assim -afinal, o cineasta se consagrou internacionalmente com dois filmes de estrada: "Central do Brasil" e "Diários de Motocicleta".

"Na Estrada", aliás, reúne boa parte da equipe criativa de "Diários", notadamente José Rivera, no roteiro, e Eric Gautier, que assina a direção de fotografia.

Os motivos para que o projeto tenha ficado tanto tempo na prateleira talvez estejam menos na mitologia em torno do romance e mais na sua própria estrutura.

Kerouac não escreve um simples relato de viagem, mas derrama no papel uma narrativa em fluxo que mistura experiência e sensorialidade, fato e percepção -elementos pouco amigos de um roteiro convencional.

De certa forma, o livro está ali na tela: o roteiro de Rivera costura os episódios mais importantes do romance e desenha com competência a curva dramática dos personagens; o jovem time de atores se entrega com sinceridade para captar o espírito "beat"; as imagens criam o cenário dessa transformação com beleza.

No entanto, fica a impressão de que a energia do romance de Kerouac se perdeu.

"Na Estrada" é visivelmente a obra de um cineasta em sua maturidade, que domina o assunto e sabe precisamente o que quer, quando talvez o romance de Kerouac pedisse de seu condutor o desapego que leva seus personagens à aventura da estrada.