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Revista Serafina

O estranho mundo de Tim Burton

O esquisitão-mor de Hollywood, que lança dois filmes este ano, conta histórias da infância e de como transformou-as em sucessos

ADRIANA KÜCHLER
ENVIADA ESPECIAL A LOS ANGELES

"Quando eu era criança, todo mundo me chamava de esquisito. O tempo todo. Só pelo fato de eu gostar de assistir a filmes de monstros já ganhava esse rótulo. Ver filmes de monstros não me parece nada estranho... Parece pra vocês?"

O menino Tim Burton cresceu e se especializou não em assistir, mas em criar monstros para os outros assistirem.

Criou um menino com mãos de tesoura, um cavaleiro sem cabeça, uma noiva morta, um fantasma "bio-exorcista". E inventou reinos sombrios de enorme apelo visual com monstros simpáticos e debochados e belezas mórbidas e de fantásticas coisas assustadoras que não assustam.

Em sua campanha de vida pela popularização do estilo esquisitão, Tim dirigiu 16 longas, produziu 22, ganhou milhões de fãs e outros adjetivos, como visionário, e se tornou um dos nomes mais badalados de Hollywood. E, a cada lançamento parece perguntar: "Não me parece estranho... Parece pra vocês?"

Após o sucesso de bilheteria de sua versão para "Alice no País das Maravilhas" (2010), vem com duas novidades-esquisitices neste ano.

Em "Sombras da Noite", que vai ser lançado no Brasil no dia 22 de junho, o monstro da vez é um vampiro do século 18 que acorda nos loucos anos 1970. Barnabas Collins, vivido por Johnny Depp, retorna à mansão de sua família, hoje problemática e decadente, e tem que se adaptar ao novo mundo de sexo, drogas e rock'n'roll.

Adaptação da série americana "Dark Shadows", exibida por lá nos anos 1960 e 1970, traz no elenco também a mulher de Tim, a atriz inglesa Helena Bonham Carter, além de Michelle Pfeiffer, Eva Green e Alice Cooper.

Já "Frankenweenie", um dos filmes "mais pessoais" de Tim, é uma animação em stop motion (feita com bonequinhos) e em 3D. E tem como monstro um cachorro ressuscitado pelo menino Victor, em formato Frankenstein.

Neste longa, com lançamento no Brasil previsto para novembro, o diretor americano retoma um curta-metragem, feito com atores, em 1984, e nunca lançado comercialmente.

"Meus pais ficavam surpresos porque eu assistia a filmes de terror e não tinha medo nenhum. Nunca tive medo de vampiros ou de Frankenstein. As pessoas reais é que são assustadoras. Ter que ir pra escola, ter alguém no trabalho que é um babaca. Isso dá medo", diz Tim, 53, em uma das três entrevistas com ele de que a Serafina participou em Los Angeles, em maio.

TIM ATACA!

Um Tim de cabelo desgrenhado, vestido de preto e usando óculos escuros (você o imaginaria de outro jeito?), fala sobre a infância do pequeno Tim, que passava o dia desenhando e vendo filmes e era um protótipo de cientista maluco, na tediosa Burbank, na Califórnia.

"Eu era muito legal com os animais, mas com as coisas... Era queime, baby, queime! Botava fogo e gostava de experimentar. E fazer pequenos filmes em super-8 era sempre um experimento. Você explode um pequeno edifício, faz um foguete voar... Era tudo uma feira de ciências."

Depois da fase explosiva, Tim foi estudar animação no Instituto de Artes da Califórnia e logo se viu como animador dos estúdios Disney. Ali, ganhou destaque com "Vincent", um curta sobre um garoto (já com os rostos compridos e os olhos bem esbugalhados que marcariam as animações de Tim) que queria ser Vincent Price (astro de filmes de terror e ídolo de Tim).

Logo depois, veio o projeto de "Frankenweenie", que foi concebido como animação, mas desenvolvido como "live action" (com atores) _e engavetado por ter sido considerado muito dark para crianças.

MONSTROS S.A.

Então lançou seu primeiro longa, já fora da Disney, "As Grandes Aventuras de Pee-Wee" (1985), uma comédia sobre um "homem-criança" que atravessa o país em busca de sua bicicleta roubada.

No filme seguinte, "Os Fantasmas se Divertem" (1988), embarcou de vez na onda de "filmes de monstro", e fez sucesso com um elenco estrelado (Michael Keaton, Geena Davis e Alec Baldwin).

Com os "Fantasmas" -cuja sequência está em estudo-, ganhou crédito para fazer seu primeiro "Batman" (1989), com o mesmo Keaton, além de Jack Nicholson e Kim Basinger. Virou sucesso de bilheteria. De diretor cult passou a mainstream, e de esquisito virou excêntrico.

Tim diz que todas as suas criações têm um toque autobiográfico e que não revê nenhum filme "porque é doloroso". Não quer também contar qual é o preferido, mas coça a barba e deixa escapar "Edward Mãos de Tesoura" (1990), com um suspiro, quando insisto na pergunta.

Nessa fantasia, começou a celebrada parceria com o ator Johnny Depp, estrela de oito de seus filmes (veja pág. 39) e padrinho de seus dois filhos.

Foi numa conversa de compadres que surgiu a ideia de filmar "Sombras da Noite". "Estava conversando com Tim e falei: 'Precisamos fazer um filme de vampiros qualquer dia desses'", conta Johnny, como quem combina um churrasco.

O diretor gosta de repetir: sua mulher, Helena, também está em quase todos os seus filmes, o compositor Danny Elfman faz as trilhas sonoras para todas as suas criações (pág. 41) e ele já se envolveu com um segundo filme de vampiros: é produtor de "Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros".

Tem ator que implora por um papel, como fez Michelle Pfeiffer para garantir estar em "Sombras da Noite". "Implorei mesmo. Não me orgulho disso", ri Michelle, na entrevista coletiva de lançamento do filme. "Mas eu era muito fã da série de TV e já fazia 20 anos que não trabalhava com Tim [desde que foi a Mulher-Gato em 'Batman - O Retorno' (1992)]."

"Gosto de trabalhar com as mesmas pessoas, mas quando eu ligo, estão ocupados."

PAÍS DAS MARAVILHAS

Quase todas as pessoas que formam a gangue de Tim dizem que, depois que se convive muito tempo com ele, a fala é quase desnecessária. Ele acha outras formas de se comunicar.

O desenho foi a primeira delas. "Eu não falava muito quando era novo. Mas trabalhar com atores me forçou a isso." Mesmo aprendendo a falar, Tim segue desenhando e abriu o baú de suas criações, entre desenhos, pinturas e rabiscos, além de seus filmes, para a retrospectiva dedicada a ele no museu MoMA, de Nova York, em 2009.

A mostra, com 700 peças do diretor, que já rodou por Los Angeles, Austrália e Canadá, está agora em cartaz em Paris. Como sempre, Tim atraiu fãs e muitas críticas, que diziam que aquilo era memorabilia e não arte digna de ser exibida num museu.

"Não fui ao MoMA dizer que adoraria fazer uma exposição. Eles vieram até mim", se justifica. "E o legal é que eles nunca me apresentaram como um grande artista."

Se o sucesso de Tim representa, para muitos, a vingança final dos nerds, ele garante que fama e fortuna não resolveram os problemas do menino esquisito lá do primeiro parágrafo.

"As pessoas reclamam que eu repito certas temáticas, como a da solidão: 'Você faz sucesso, não pode ser tão sozinho'", relata o diretor.

"Você pode ter uma família, sucesso, um milhão de amigos. Mas, se você já se sentiu desse jeito um dia, vai sempre se sentir assim."

A NOIVA BONHAM CARTER

Tim vive uma espécie de solidão acompanhada da mulher, Helena, que conheceu nas filmagens de "Planeta dos Macacos", dirigido por ele (2001).

Os dois vivem em Londres, com os filhos, Billy Ray, 8, e Nell, 4, em casas separadas, mas interligadas.

Em entrevista à Serafina, em 2010, Helena, 46, contou que seu cantinho é decorado com flores e corações, enquanto o do companheiro tem duendes e esqueletos.

O tema esquisitice x normalidade acaba sempre voltando à tona nas conversas com Tim. Indagado sobre quando começou a se sentir uma pessoa normal, explica que essa é uma questão muito complexa.

"Sabe o que é estranho? É que sempre me achei normal quando era criança. Depois de um tempo, você começa a achar que é maluco, porque todo mundo te chama assim. E aí, os anos passam e você se dá conta de que eles estavam certos, você era louco mesmo."

Tim fez análise por um tempo, há dez anos, para tentar entender sua maluquês. Não gostou muito, mas diz que aprendeu o que deveria para poder controlar o processo do jeito que gosta, sozinho.

Faria um filme sobre o tema? "Não, porque aí seria um filme do Woody Allen, e esse já foi feito."

A jornalista ADRIANA KÜCHLER viajou a convite da Warner.

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