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Crítica / Show Wagner Moura desafina, mas faz tributo catártico à Legião MARCUS PRETODE SÃO PAULO Alguém tinha qualquer ilusão de que Wagner Moura não desafinaria? O que aconteceu no Espaço das Américas anteontem, não foi um espetáculo de arte, de "boa música" -nem parecia ser essa a proposta. O que Moura, Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá e convidados comandaram foi uma experiência catártica, quase religiosa. Afinada, portanto, com o legado de Renato Russo e da Legião Urbana. E mais honesta com a história da banda do que teria sido escalar algum cantor "de verdade" para fazer bonitinho as músicas que o público queria mesmo era gritar, cantar junto, chorar relembrando a própria vida -tudo, menos escutar com atenção. Nesse sentido, foi acertada a ideia de colocar um ator no posto de Russo. Destruiu-se assim a possível nuvem de solenidade que encobre os tributos. Ficou previamente combinado -e isso só se confirmava à medida em que o show corria- que aquilo era para emocionar, mas não deveria ser levado tão a sério. Ao vivo, Moura representava o cidadão comum, o fã da Legião. Criou-se uma empatia imediata com a plateia (e isso certamente não aconteceu com quem viu o show pela TV), do tipo "é ele que está ali, mas poderia ser eu". E o que poderia se tornar um karaokê de luxo ganhou ares de homenagem legítima. ENTREGA O show começou no alto, com "Tempo Perdido" -e a introdução instrumental tirada por Dado na guitarra, igualzinha à original de 1986, arrepiava até os mais céticos. Moura já tinha cantado essa em cena do filme "O Homem do Futuro", então estava em casa. Só começou a desafinar na seguinte, "Fábrica". E seguiu cambaleante em "Daniel na Cova dos Leões". Tecnicamente, nunca mais encontrou o eixo. Mas, na mesma medida em que sentia a deficiência crescer, aumentava também a intensidade da performance cênica. Pulou no chão, jogou-se na plateia, falou mil vezes que aquela era a noite mais emocionante da vida dele. E, mais do que voz e afinação, era exatamente isso que o público queria dele: entrega. Sob esse ponto de vista, tudo teria funcionado plenamente não fossem algumas "ousadias" desnecessárias na escolha do repertório. Em show no qual a reação da plateia é tão ou mais importante do que a atuação do artista, canções menos íntimas, como "Sereníssima" e "Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar", caíram mal. E fizeram sentir a falta de "Que País É Esse?", "Eduardo e Mônica" e "Faroeste Caboclo", por exemplo. Os efeitos colaterais mais sérios da noitada só virão depois, se toda essa despretensão for eternizada em CD, DVD etc. Sem a catarse, o calor, a experiência religiosa da apresentação ao vivo, quem há de aturar a voz desafinada de Wagner Moura? Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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