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Crítica poesia Livro inédito flagra maturação de Drummond "Os 25 Poemas da Triste Alegria", reunião de textos do início dos anos 1920, apresenta a trajetória de formação do poeta HEITOR FERRAZ MELLOESPECIAL PARA A FOLHA Não há dúvida de que o primeiro livro de poemas de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) se chama "Alguma Poesia" e foi publicado em 1930. Está em qualquer manual escolar. Surgia ali um poeta já inteiramente afinado com o espírito modernista, mas com uma personalidade poética muito própria, diferente de seus contemporâneos, como Mário (1893-1945) e Oswald de Andrade (1890-1954), ou Manuel Bandeira (1886-1968) e tantos outros. No entanto, essa conversão ao modernismo não se deu sem um "impulso especulativo", para usar uma expressão do crítico John Gledson no seu famoso estudo "Poesia e Poética em Carlos Drummond de Andrade", de 1981. O jovem Drummond revolveu com determinação cada um dos principais assuntos que movimentavam a vanguarda brasileira, como o tema do nacionalismo, da busca pela cor local, da linguagem coloquial, da nossa sempre intrincada relação com as influências externas (no caso, europeia) etc. ADESÃO MODERNISTA A prova dessa buscada maturação é a edição agora de "Os 25 Poemas da Triste Alegria", que reúne poemas anteriores a "Alguma Poesia" e artigos escritos entre 1923 e 1924, em revistas e jornais. Nesses poemas, encontra-se um poeta ainda muito ligado ao floreado "penumbrismo", corrente estética da belle époque, capitaneada pelo gaúcho Álvaro Moreyra. Era uma poesia marcada por uma melancolia e uma ironia pouco autênticas. Apesar do uso do verso livre, havia muita ternura, humildade, jardins, quintais, estrelas e flores indiferentes, sombras inúteis e tantas outras imagens um tanto postiças e abstratas -muito diferente da poesia concreta que ele viria a realizar, pouco tempo depois, em "Alguma Poesia", na qual a melancolia e a ironia deixariam de ser um estilo para se tornar tema, com corrosivo humor. Por este material, percebe-se que não foi uma trajetória fácil: houve uma complexa reflexão na trajetória de adoção da estética divulgada pelos paulistas da Semana de Arte Moderna de 1922. O grande ponto de virada para o jovem poeta mineiro foi a passagem, em 1924, da animada "caravana modernista" pela provinciana Belo Horizonte, principalmente pela possibilidade de estreitar amizade com Mário, com quem Drummond começou a se corresponder. LONGA HISTÓRIA Mas vale recompor a história do datiloscrito de "Os 25 Poemas da Triste Alegria", como conta Antônio Carlos Secchin no prefácio da edição atual. Uma cópia datilografada e organizada como um livro foi dada de presente pelo poeta, em 1937, ao amigo Rodrigo Melo Franco de Andrade, que depois a emprestou a Manuel Bandeira, que, por sua vez, a devolveu a Drummond. A cópia desapareceu na quadrilha, surgindo muitos anos depois no acervo de um bibliófilo carioca. Essa coletânea de versos contém algumas camadas: a dos poemas, escritos no começo dos anos 1920; depois, os comentários de Drummond, feitos em 1937. Neles, o poeta também incluiu algumas observações de Mário de Andrade, enviadas por carta, em 1924. São três leituras: a dos poemas em si, a do autor de "Pauliceia Desvairada" e a de um Drummond que, em 1937, já estava escrevendo os poemas decisivos de "Sentimento do Mundo" e que reconhecia que aqueles poemas eram "exercícios à moda do tempo, tímidos e mecânicos". O livro ainda traz cinco artigos de Drummond essenciais para entender a sua transformação, em tão curto espaço de tempo. Além disso, há também uma entrevista com o poeta Emílio Moura, de 1952, lembrando da vida literária de Belo Horizonte nos anos 1920. Essa pequena reunião de textos, como "Sobre a Arte Moderna", "As Condições Atuais da Poesia no Brasil' e "Poesia Brasileira", por exemplo, permitem perceber, de perto, as especulações (e admirações) do poeta mineiro nessa época, avaliando a produção do período -com seus parnasianos, penumbristas e modernistas.
HEITOR FERRAZ MELLO é poeta, autor de "Um a Menos" (7 Letras) |
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