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Crítica memórias Sentimento de Didion merece respeito; sua literatura, não MARCELO COELHOCOLUNISTA DA FOLHA Em "O Ano do Pensamento Mágico", Joan Didion narra a súbita morte de seu marido, ocorrida poucos dias depois de a filha adotiva do casal, Quintana, ter entrado em coma, devido às complicações de uma pneumonia. Numa sintaxe elementar e sentimental, mas ao mesmo tempo relatando de forma precisa a experiência de falta de significado daquela dupla tragédia, o livro obteve grande sucesso de vendas e de crítica. "Noites Azuis" pode ser lido como um posfácio ao best-seller de 2005, com seus mesmos defeitos e qualidades. O luto de Joan Didion, agora, é por sua filha Quintana, que veio a morrer no mesmo ano da publicação de "O Ano do Pensamento Mágico". Em 35 capítulos curtos, Didion relembra cenas da infância e da juventude de Quintana, fixando-se especialmente no dia de seu casamento. Os parágrafos do texto são sempre brevíssimos. "Há mais uma coisa que ainda vejo, daquele dia de bodas na igreja de são João, o Divino: as solas vermelhas nos seus sapatos."Parágrafo. "Ela usava sapatos Christian Louboutin, cetim claro com solas vermelho-vivo." Outro parágrafo. "Dava para ver as solas vermelhas quando ela se ajoelhava no altar." Fim do capítulo. O recurso estilístico visa a produzir um "efeito marcante". É empregado de forma tão abusiva, entretanto, que aos poucos se torna involuntariamente patético, até declinar para o simplesmente barato. Outro trecho fala de algo que Quintana escreveu quando criança. Terminando numa sequência de três parágrafos de meia linha cada um. "Mais uma vez, a cuidadosa caligrafia. "Só a caligrafia já é inesquecível." "Só a caligrafia já me parte o coração." É difícil falar mal de um livro escrito com tanto sofrimento. Os sentimentos da autora merecem todo o respeito, mas não se pode dizer o mesmo de sua literatura. Joan Didion também escreve sobre o próprio envelhecimento. Aos 75 anos, sente-se insegura mental e fisicamente, experimentando dificuldades em movimentos simples, como levantar-se de uma cadeira ou caminhar. Os médicos (e pode-se imaginar a falta de confiança da autora a respeito deles) diagnosticam vagos problemas neurológicos, e Joan Didion fala com admirável franqueza, por exemplo, da queda que sofreu em seu apartamento ou de sua dificuldade em dar às enfermeiras o nome de quem deve ser avisado "em caso de emergência". "Emergência, continuo a acreditar, é o que acontece com os outros". É bem verdade. É bem banal também.
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