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'Somos esculturas vivas', diz duo de artistas

Gilbert & George, que atuam como dupla há 45 anos, voltam ao Brasil para expor em mostra na Casa de Vidro

Em visita a São Paulo, casal de artistas avalia que Bienal seria "muito boa se fosse uma exposição em 1971"

FABIO CYPRIANO
CRÍTICO DA FOLHA

Há 30 anos, todos os dias, os artistas Gilbert Proesch, 68, e George Passmore, 70, almoçam no mesmo restaurante.

Cada um faz um caminho distinto até lá, porque andam em velocidades diferentes, mas sempre chegam ao mesmo tempo. É o único momento do dia em que se separam.

Nos últimos dias, no entanto, essa rotina foi alterada. Gilbert & George, como a dupla é mais conhecida, vieram a São Paulo para participar da exposição "The Insides Are on the Outside / O Interior Está no Exterior".

A mostra, que deve abrir ao público em novembro, em data a ser definida, ficará na Casa de Vidro, de Lina Bo Bardi, no bairro do Morumbi em São Paulo, e terá curadoria do suíço Hans Ulrich Obrist, diretor de projetos da galeria Serpentine, em Londres.

Na última quarta, eles apresentaram seu novo trabalho, duas fotografias em que se autorretratam na casa de Bardi. Em uma delas, estão em frente à lareira.

"A lareira é um lugar ancestral, em torno da qual as pessoas se reuniam antes da televisão", explicam Gilbert & George (à Folha, a dupla pediu para ser identificada sem distinção de quem é quem).

Na outra imagem, aparecem na frente da imensa janela da residência, tendo por fundo a mata local.

São estes os trabalhos que devem estar na mostra que abre em novembro.

Além do registro das imagens, a dupla esteve no Teatro Oficina, onde falou para mais de 200 pessoas.

Desde 1971, G&G tornaram-se "esculturas vivas". Isso porque não queriam produzir objetos. Queriam ser, eles mesmos, considerados arte.

Isso se consolidou na histórica mostra "When Attitudes Becomes Form" (quando atitudes se transforam em forma), realizada em 1969, e que teve uma versão em Londres, no Instituo de Arte Contemporânea (ICA). Lá, eles tentaram ser incluídos oficialmente na mostra e foram recusados.

"Entramos no meio dos convidados, mesmo sem convite, como esculturas vivas, com nossas mãos e cabeças cobertas com tinta metálica. Foi magnético, todo mundo parou para ver."

Na primeira mostra da dupla, em 1971, eles apresentaram desenhos em carvão e ganharam mil libras.

"Era muito dinheiro! Ficamos bêbados por cinco anos." Desde então, nunca mais pararam de trabalhar juntos.

Eles dizem ter casado em 2008. Leia, a seguir, trechos da entrevista à Folha.

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Folha - Por que vocês propõem ser "esculturas vivas"?

Gilbert & George - Não foi algo que propusemos, mas que tomou conta de nós, algo que nos possuiu, que nos envolveu, como a família, uma casa ou a atmosfera.

O ano de 1967 foi um momento incrível, quando todos os artistas queriam fazer algo novo. Era uma época fértil, de surgimento de novas ideias.

A Saint Martins School of Art, em Londres, era a melhor escola da época e a liberdade de criação era total. Mas não imaginávamos que lá poderíamos não fazer coisa alguma, e era isso o que queríamos.

No fim daquele ano, quando deixamos a escola, estávamos bloqueados, não tínhamos ideias. Tivemos, então, essa brilhante visão de que nós éramos a arte.

Nós fazíamos fotos de objetos e percebemos que nós não precisávamos de objetos. Nós somos isso, nós somos esculturas vivas, somos o centro de nossa arte e isso nunca mudou: nós somos a inspiração, nós somos arte.

Vocês só usam imagens de vocês mesmos nos trabalhos?

Sim, sempre, porque nós somos o centro da fala de nossos trabalhos.

Consideram essas imagens documentações de performances?

Nunca. Essas imagens são como memórias de sentimentos. Buscamos falar de solidão, bebedeira, felicidade, religião e todos os sentimentos que estão em nós. O mais importante é o que está dentro do nosso cérebro. O que está fora dele é igual para todo mundo, mas o que está dentro é o que nos faz diferentes -e isso é arte.

É verdade que todos os dias vocês vão comer no mesmo restaurante do bairro?

Nos últimos 30 anos, nós tomamos café e almoçamos no mesmo local. Quando o cozinheiro se aposentou, aos 85 anos, foi um desastre!

E por que cada um de vocês segue um caminho diferente para chegar até lá?

Porque andamos em ritmos diferentes, e, se tivéssemos que andar da mesma forma, um de nós poderia ter um ataque cardíaco.

Há quanto tempo vocês vivem juntos?

Estamos juntos há 45 anos. Temos poucos amigos, não cozinhamos, não compramos nada, os ternos são sempre os mesmos, a casa é sempre a mesma. Não saímos de férias. Mas temos muitos acres livres na frente de casa para mantermos a sensação de liberdade. E nós não atendemos ao telefone.

Vocês têm celular?

Não. Você acha estranho?

O trabalho de vocês surgiu em um momento de criação de utopias. Hoje, em um mundo globalizado e marcado pelo consumo, vocês se consideram vestígios dos anos 1960?

Queremos celebrar o humanismo, não somos críticos. Não somos contra a bomba, ou os Estados Unidos, o McDonald's ou o primeiro-ministro. Nós somos a favor de coisas, mas não contra elas.

Estamos mostrando vida e, de alguma forma, nossa visão do mundo. E encontramos nossa própria linguagem, não precisamos recriar nenhuma. Com ela, podemos falar de tudo.

E como é voltar ao Brasil?

Queremos muito fazer uma grande exposição no Brasil. Nos últimos três anos, boa parte das pessoas que vêm conversar conosco nas ruas são brasileiros.

Eles perguntam porque não expomos no Brasil. Nunca são argentinos ou chilenos, sempre brasileiros.

O que vocês acharam da Bienal de São Paulo?

Há muitos artistas, há tantos trabalhos que ninguém vê tudo. É uma perda de tempo. Parece que nada mudou nos últimos 30 anos. Se fosse uma exposição em 1971, seria muito boa.

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