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Britânico narra epopeia de Vasco da Gama Ótimo relato sobre influência de navegador português no choque entre islã e ocidente é turvado por erros de tradução Trabalho do historiador e jornalista Nigel Cliff avalia como o período das grandes navegações transformou o mundo RICARDO BONALUME NETODE SÃO PAULO O livro é ótimo. Mas a tradução é péssima e estraga o prazer de ler uma obra em português sobre o português provavelmente mais famoso de todos os tempos, o navegador e guerreiro Vasco da Gama (1460-1524). O jornalista e historiador inglês Nigel Cliff escolheu um tema pouco conhecido no mundo anglo-saxão: "como as viagens de Vasco da Gama transformaram o mundo", conforme o subtítulo do livro. A epopeia de Cristóvão Colombo (1451-1506) descobrindo as Américas é algo bem mais conhecido entre britânicos e americanos. E bem menos emocionante. Mas é triste notar que há erros crassos de tradução no livro. Mesmo sem acesso ao original, foi possível detectar cerca de 50 erros na versão para o português. O mais inacreditável deles é traduzir errado a cidade da Índia em que Vasco da Gama aportou em 1498. Ele desembarcou no oeste da Índia, em Calicute; a tradução fala de Calcutá, cidade no leste do país. É equivalente a dizer que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil em Porto Alegre (RS), não na região de Porto Seguro (BA). CHOQUE Em Portugal quase nada do que está no livro seria considerado novidade para um público acostumado a ler sobre isso desde criança, pois a história das grandes navegações é uma obsessão nacional. Já para os mais incultos brasileiros, para quem Vasco da Gama é apenas nome de time de futebol, o livro vai abrir muitos olhos. O assunto é particularmente pertinente porque trata do muito debatido "choque de civilizações" entre os mundos cristão e muçulmano. "Eu certamente não sugiro que houve um estado permanente de conflito entre o islã e o cristianismo nos séculos antes da viagem de Vasco da Gama. Descrevo muitos lugares onde a civilização foi elevada por um espírito de cooperação entre as religiões", escreveu Cliff em entrevista à Folha por e-mail. "O que eu sugiro é que as viagens dos portugueses eram, em muitos aspectos, o produto de quatro séculos de tentativas por parte da Europa ocidental para empurrar de volta o mundo islâmico invasor", continua o autor. Cliff considera a incursão portuguesa na Ásia como a última das cruzadas. Havia interesse pelo comércio de especiarias, dominado pelos muçulmanos e seus intermediários italianos. Mas um motivo importante para os portugueses se lançarem ao mar era flanquear o mundo islâmico, tentar achar aliados cristãos e atacar o inimigo por outra direção, com sorte "liberando" Jerusalém dos "infiéis". Por ter sido o primeiro europeu a chegar à Índia pela rota marítima contornando a África, e por ter feito duas viagens posteriores, Da Gama é um símbolo perfeito da nova era do "imperialismo" europeu na Ásia. Eram apenas quatro pequenas naus -só duas retornariam a Portugal- com cerca de 170 homens na tripulação. Fizeram a maior viagem oceânica da história até então. Mudaram o mundo. "No final, a certeza religiosa que levou Vasco da Gama e seus colegas de desbravamento a viajar por meio mundo foi também a sua ruína", diz o escritor. "Apesar de todas as suas realizações surpreendentes, a ideia de uma última cruzada -uma guerra santa para terminar com todas as guerras santas- foi, desde sempre, um sonho louco", conclui Cliff no último parágrafo do livro.
Leia a íntegra da entrevista em
GUERRA SANTA |
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