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 36ª Mostra de SP - Crítica/Drama

Longa revela o patético no humano e no divino

Em "Além das Montanhas", Cristian Mungiu mostra confronto entre terrorista carnal e adeptos do amor espiritual

RICARDO CALIL
CRÍTICO DA FOLHA

"Além das Montanhas", do romeno Cristian Mungiu ("4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias", Palma de Ouro em Cannes), já foi definido como um duro ataque à Igreja Ortodoxa. Não deixa de ser verdade, mas é também uma redução.

Um filme sobre o embate entre o amor físico e o amor divino. Esta seria uma definição mais aproximada, mas ainda pequena para resumir esta longa, complexa e muitas vezes grandiosa obra.

Premiadas como melhores atrizes em Cannes neste ano, as protagonistas do filme interpretam duas jovens que cresceram juntas num orfanato da Romênia e se reencontram anos depois em situações muito diferentes.

Depois de viver com uma espécie de família adotiva, Alina (Cristina Flutur) foi parar na Alemanha, onde trabalhava como garçonete. Voichita (Cosmina Stratan) tornou-se freira num monastério ortodoxo perto do orfanato e passou a chamar o padre e a madre de "papai" e "mamãe".

Alina quer que Voichita se junte a ela na Alemanha. A segunda prefere que a primeira permaneça com ela no monastério -e, por uma série de circunstâncias, é isso que acaba acontecendo.

Em pouco tempo, fica claro que as duas tiveram uma relação no passado, que Alina quer retomar a qualquer custo. E, por conta desse desejo, ela acaba confrontando a ordem do monastério.

Alina sente ciúmes de outra freira e do padre, mas elege ninguém menos do que Deus como principal rival na luta pelo coração da amada. E, como se sabe, não se desafia o Todo Poderoso impunemente, seja no século 11 ou no 21.

Para conter a "fisicalidade" de Alina, os religiosos também serão físicos: ela será acorrentada a uma cruz de madeira antes de ter seus demônios devidamente exorcizados.

Mungiu não facilita o conteúdo para o espectador: não só os religiosos são apresentados como extremistas, mas também Alina, personagem quase desagradável; entre os adeptos do amor espiritual, ela é uma terrorista do carnal.

O cineasta tampouco facilita na forma: seu filme tem longos planos de câmera estática e duas horas e meia de duração -e a exasperação que isso deve provocar no público é parte da experiência estética de "Além das Montanhas".

É como se Mungiu -depois de escalar Deus como vértice de um triângulo amoroso- convocasse o espírito de Ingmar Bergman para refilmar "O Exorcista" (1973) ou uma produção barata de nunsploitation (subgênero em que se explora a sexualidade de freiras).Ou seja, "Além das Montanhas" é uma dupla blasfêmia.

Por trás da história trágica e de uma certa solenidade da encenação, o filme esconde um humor seco e sutil -marca do cinema romeno recente- que ajuda a revelar o que há de patético não só no humano, mas sobretudo no supostamente divino.

ALÉM DAS MONTANHAS
QUANDO hoje, às 14h, no Espaço Itaú Pompeia; amanhã, às 14h, no Espaço Itaú Frei Caneca; mais sessões em mostra.org
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo

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