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Minha História Joumana Haddad

Anti-Sherazade

(...)Embora represente uma minoria, a nova mulher árabe acredita em sua força e é enfurecida

(...) Depoimento a

FABIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A OLINDA (PE)

Poeta e jornalista, fundadora de uma revista dedicada ao corpo, a libanesa Joumana Haddad, 41, está na linha de frente da briga pela emancipação da mulher árabe.
Veio ao Brasil promover seu livro "Eu Matei Sherazade - Confissões de uma Árabe Enfurecida" (editora Record; R$ 29,90; 144 págs.) e foi destaque na sétima edição da festa literária Fliporto, em Olinda, encerrada na última terça.

Sou editora de cultura do jornal "An-Nahar" ["o dia", em árabe; principal diário libanês]. Na "Jasad" ["corpo", em árabe; jasadmag.com, da qual sou criadora e editora, faço tudo.
Há dois anos, senti que precisava de minha própria revista. Sempre fui interessada no corpo e em erotismo, e há vários tabus no mundo árabe em torno desses temas -embora haja livros dos séculos 10 e 11 sobre sexualidade e erotismo. Se você os escrever hoje, vai para a cadeia.
Sempre me perguntei como pudemos voltar tanto atrás depois de ter feito tanto, antes de qualquer um.
Aos poucos a ideia de uma revista cultural sobre o corpo se impôs. Comecei a convidar escritores e artistas do mundo árabe a contribuir.
Não me intimidaram, tanto que continuo, mas tentaram. Ameaças, cartas e telefonemas anônimos no meio da noite. Gente ameaçando me machucar, me estuprar, jogar ácido na minha cara.
Falo árabe, francês, inglês, alemão, espanhol, italiano e armênio. Traduzo de todas essas línguas para o árabe e às vezes faço o contrário. Escrevo poesia em árabe, ensaios em inglês, livros infantis em italiano, histórias eróticas em francês.
"Eu Matei Sherazade" foi escrito em inglês. É como um manifesto, um panfleto, um grito de raiva.
Sou antes de tudo poeta. Mas num certo momento precisava dizer essas coisas em prosa, por isso escrevi esse livro. Já foi traduzido para 12 línguas. Em árabe só saiu no mês passado, e só no Líbano; eu mesma o traduzi.
Não foi censurado, mas foi ignorado. Ninguém escreveu a respeito dele. Mas está vendendo bem e tenho um ótimo retorno de quem o lê.
Estou escrevendo a segunda parte, que sairá ano que vem e será sobre homens. Será o "Super-Homem é Árabe - sobre Deus, Casamento, Macho Man e Outras Invenções Desastrosas".
As pessoas perguntaram: "Por que você tinha de matá-la? [Sherazade]". Ela era inteligente, esperta, lutava para sobreviver... Mas esse livro ["As Mil e uma Noites"] foi escrito há mil anos. O simbolismo de matar Sherazade tem a ver com isso, com uma nova mulher, que domina sua história, sua vida e seu corpo, não precisa para isso fazer compromisso.
Embora represente uma minoria, a nova mulher árabe, antes de tudo, acredita em sua força e é enfurecida. Porque, numa região como a de onde eu venho, você precisa de raiva para acordar todo dia e ir à guerra para tentar mudar as coisas.
Comecei a questionar o modelo patriarcal muito cedo, por causa de minhas leituras -Sade, Kafka, Nabokov... Cresci durante a guerra [civil libanesa], houve muitas limitações em minha vida.
Hoje sou ateia, contra religiões, mas cresci numa família católica muito conservadora, estudei em colégio de freiras por 14 anos.
Já fui casada duas vezes, tenho um filho de cada casamento, um de 19 [anos], outro de 12.
Não acredito em casamento. É uma das piores instituições que conheço. Não acredito em "até que a morte nos separe", "juntos para sempre", blablabá...
Se você começa pensando que pode terminar a qualquer momento, talvez tenha mais chances de sobreviver, em vez de pensar: "Ficarei com essa pessoa por toda vida? Meu Deus!". Eu sou claustrofóbica, não vê?

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O repórter FABIO VICTOR viajou a convite da Fliporto.

FOLHA.com

LITERATURA
Leia a íntegra do texto sobre a poeta e jornalista libanesa Joumana Haddad
folha.com/no1007912

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