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A guerra submarina e os erros argentinos

ELEONORA DE LUCENA

Há 30 anos, agonizava a ditadura na Argentina. O regime brutal contabilizava dezenas de milhares de mortos e desaparecidos e crescente pressão internacional pelos direitos humanos. A economia estava em frangalhos: pobreza, inflação e dívida externa explodiam.

Num ato de quase desespero para recuperar algum apoio interno, o general de plantão lançou o país numa guerra pelas Malvinas. Como se sabe, foi um fracasso.

O jornalista Roberto Lopes busca recuperar parte dessa história em "O Código das Profundezas" [Civilização Brasileira, 294 págs., R$ 39,90]. Com foco nos submarinos argentinos da guerra, revela detalhes de improvisações, irresponsabilidades e erros em cálculos militares e políticos.

Lopes, 59, diz que os militares argentinos não queriam confronto direto com os britânicos. Acreditavam que, consumado o desembarque, "as autoridades inglesas concordariam em conversar sobre a soberania das ilhas". Apostavam numa solução diplomática e no apoio dos EUA. Estavam errados.

Sem planos para depois da tomada das ilhas, tiveram de correr para contornar o despreparo.

Um exemplo: no calor da eclosão da guerra, descobriu-se que cracas infestavam as hélices e o casco e tubos de refrigeração de um submarino. Pequenos crustáceos impediam que os tubos admitissem a água necessária à refrigeração, o que provocava superaquecimento e parada de propulsores.

Sem tempo para a limpeza apropriada, a solução foi convocar mergulhadores para uma raspagem manual. Trabalharam 24 horas por dia, por quase uma semana, para um resultado apenas aceitável.

No decorrer do confronto, as falhas foram mais sérias. Nem em testes torpedos funcionavam.

Mas nem tudo foi fiasco para a Argentina. Lopes, que acompanhou de Buenos Aires o conflito na época, diz que os submarinos convencionais argentinos, menores que os nucleares e com propulsão diesel-elétrica, demonstraram ser mais discretos e manobráveis -o que ajudou os platinos. Os britânicos também sentiram as diferenças na salinidade, temperatura e vida marinha entre o Atlântico Norte, onde estavam acostumados a atuar, e o mar das Malvinas. Torpedearam baleias por engano.

Rico em detalhes de batalhas, o texto às vezes derrama enorme quantidade de siglas e termos técnicos que deixam o leitor leigo um tanto engasgado. Mapa, cronologia e mais contexto político fariam diferença para leitores não familiarizados com estratégia militar.

Embora não seja o foco do livro, seria bom ter um relato mais profundo sobre o ataque argentino com o míssel Exocet ao destroier britânico Sheffield, que surpreendentemente naufragou. Naqueles anos, esse efêmero êxito platino inspirou até música no Brasil.

Historiador, ex-repórter da Folha e especializado em assuntos de defesa, Lopes mostra uma guerra desigual. Em 1982, a Grã-Bretanha destinava US$ 440 per capita para gastos militares; a Argentina, US$ 105. Os serviços de inteligência dos dois países falharam em muito.

Decerto ainda há muito a dizer sobre as Malvinas. Basta saber que, em 1982, os ingleses puseram um lacre de 90 anos sobre certos dados do conflito. O minucioso trabalho de Lopes esclarece pontos cruciais da batalha naval e suas implicações, inclusive na diplomacia.

Para ele, o que estava em jogo já era o petróleo. "Haveria petróleo naquele subsolo marinho? Óleo de boa qualidade? De exploração economicamente viável?"

Trinta anos depois (e após o pré-sal brasileiro), essas perguntas voltam a mover o interesse sobre as Malvinas.

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