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Cinquenta tons de gude

JULIANA FRANK

Grey vai com as sacolas pela rua, trotando por entre os buracos, até o tropeço final. Cai de cara no chão. Nego-me a carregar sacolas com esmalte fresco nas unhas. Grey caiu porque é cego. É cego, e talvez essa seja a razão de sua violência sexual.

Pobre Grey, penso, amargurada. Não, mentira. Estou é com a alma esfomeada. Embora nunca tenha acreditado em alma. Acredito apenas que, se ela existe, deve se manifestar pelo meu clitóris.

Eu era só uma virgem desavisada assobiando para o alto e amarrando o cadarço no momento em que conheci Grey. E ele veio me masturbando e contando sua história triste de um jeito cansado.

Sua mãe o cegou com uma agulha. E ele ainda era bebê. Ela era viciada em se prostituir daquele jeito bem safardano (que a gente sabe), fumava crack muito bem. Cegou-o para que ele nunca pudesse vê-la pitando e fodendo com os homens no único cômodo da casa.

Avisto uma casa de portão verde. Arrombo com um grampo. Grey e eu fazemos isso todos os dias. Gostamos de invadir casas de ricos para comer, foder e dormir. Depois vamos embora, mas deixamos a casa limpa: um pequeno agradecimento. E sabemos que o o segredo de uma relação duradoura é casa limpa, sexo sujo.

Ele põe as sacolas na bancada da cozinha. Pego uma garrafa de vinho e procuro um saca-rolhas.

- Em que você está pensando? - ele interrompe meus devaneios.

- Vou cortar pimentão sozinha!

- Posso ajudar?

- Você vai se cortar. Senta lá!

- Lá onde?

Ai, de novo, vou ter de colocá-lo no sofá. Ele fica sentadinho, com seus olhos profundamente nulos.

- Eu queria ajudar.

- Tá bom, Grey.

Pego ele pelo braço e trago de volta para a cozinha. Fica encostado na pia, zanzando a cabeça pra lá e pra cá, como se fosse sustentada por molas. Aproveito e roço meu corpo no dele repetidas vezes.

- Eu sei o que você está tentando, Ana - murmura ele, sombrio.

- Só estou cozinhando, Grey.

- Vou trepar com você no chão.

Uau. Funcionou. Não tive que implorar. Estou seminua em meio aos pimentões. Grey é veloz e tira a minha calcinha. E mete no meu cu sem piedade. Ai, ai. Posso até ouvir o diabo estalando os dedos.

Gostaria que ele pudesse me olhar. Mas me conforta saber que o seu pau está sempre de pé para me ver melhor. Com um namorado cego, não tenho obrigação de arrumar esse meu cabelo revolto.

- Ana, chega. Pare.

Não me importo, continuo forçando-o para dentro de mim.

- Grey! Grey! - grito pra calar a fome de sexo dos vizinhos, como se fosse uma ladainha ou uma oração sinistra. Ele arromba minhas partes. Esgarça. Estraçalha, mesmo, meu cu já dantes violado.

Seguro-me num pimentão, arfando, pressionando meu corpo no dele. Ele pega um porrete e bate na minha bunda. Lânguida, desmaio.

Acordo numa cama suntuosa ao lado do meu homem. Viro-me para ele com carinho:

- Grey, vamos colocar bolas de gude cinza nos seus olhos?

- Não, Ana. Minhas mãos estão encarniçadas de tanto te surrar. Amanhã você começa o curso de cerâmica, esqueceu? Tente dormir.

- Sabe, Grey, você é uma menininha assustada. Não tem colhões. Sempre com essa cara de quem sente um pequeno fedor. Vou procurar na rua outro amo e senhor.

- "Nhé, nhé. Vou procurar outro..." Sempre a mesma ladainha - ele faz. - Gostaria que você tivesse vaginismo ou uma doença infecciosa. Você não vai embora nunca, Ana. Está sempre ancorada em mim.

Dou-lhe uns tapas. Mas Grey não sente dor, nem dignidade. Aproveito que ele nada vê para recolher os olhos plúmbeos de seus buracos nulos. Passo a madrugada assim, sem calcinha e de quatro, jogando olho de gude no tapete vermelho da mansão.

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