São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2010

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DIÁRIO DE BUENOS AIRES
O MAPA DA CULTURA

Política na biblioteca

Erudição e conservadorismo

DAMIÁN TABAROVSKY
tradução SÉRGIO MOLINA

Horacio González é um dos intelectuais de maior prestígio da Argentina; não há nada de estranho nisso, todos os países têm seus intelectuais de prestígio. Mas ele também é, faz vários anos, o diretor da Biblioteca Nacional. Situação bem curiosa: a Argentina não é o México, e aqui raramente os intelectuais ocupam posições de destaque no Estado (e também não é o Brasil, onde um de seus mais importantes sociólogos chegou à Presidência).
González também é uma das principais figuras do grupo Carta Abierta, que reúne intelectuais relativamente próximos ao governo; fato duplamente curioso, pois ao longo da história não são muitos os intelectuais afins ao peronismo. E finalmente, agora sim na excentricidade total, em todos esses anos ele não parou de publicar livros e artigos sobre os mais variados assuntos (desde Perón até a crônica de suas viagens de táxi), escritos na melhor tradição do ensaio de ideias, cheios de erudição e com um estilo que conjuga barroquismo e agudeza.
O mais recente deles, publicado há menos de dois meses, é o extraordinário "Historia de la Biblioteca Nacional - Estado de una Polémica". E o que esse livro tem de extraordinário é que em suas mais de 300 páginas, González pensa - ou melhor, imagina- a Biblioteca Nacional como um "aleph", um ponto em que podem ser vistas todas as tensões da história cultural argentina, todas as contradições, todos os combates e todas as utopias.
Fundada por Mariano Moreno, o grande intelectual e político jacobino da Revolução de Maio de 1810, que prenuncia a independência, a biblioteca, para González, surge "de uma noção de perigo, talvez de catástrofe".
Guiado por essa ideia de catástrofe iminente (um pouco à maneira de Walter Benjamin), o livro se debruça nos três diretores que marcaram a biblioteca. Três diretores que, de tão opostos uns dos outros, também dizem muito sobre os caminhos erráticos da cultura argentina, as polêmicas não resolvidas, os riscos latentes.
O primeiro desses grandes diretores foi Paul Groussac, francês de nascimento, que dirigiu a biblioteca de 1895 a 1929. Ilustrado e conservador, foi também escritor (suas crônicas de costumes portenhos são insuperáveis).
O segundo diretor, não em importância, mas em duração, foi Hugo Wast (pseudônimo de Gustavo Martínez Zuviría), entre 1931 e 1955. Escritor, foi um abominável antissemita, seus romances exalam racismo e mediocridade. Só não foi vertido ao alemão pelos nazistas porque o projeto de tradução acabou malogrando.
Reacionário e clerical, seu mandato atravessou oito presidentes argentinos, civis e militares (incluídos os dez anos de Perón, de 1946 a 1955). A presença de Wast durante tantos anos à frente da Biblioteca Nacional é bem reveladora do fracasso das ideias progressistas na Argentina.
Entre 1955 e 1973 (a volta do peronismo ao poder), também atravessando governos militares e civis, foi a vez de Jorge Luis Borges ocupar a direção. Também ele escritor, e dizem que bem razoável. Conservador, erudito e irônico, sem Borges a Biblioteca Nacional não seria o que é.
Três diretores, três versões de uma biblioteca -ou de uma Argentina- possível. Claro que ainda falta uma biblioteca de esquerda. Talvez seja o tempo de Horacio González.

O DEMOLIDOR DO ROCK
O rock argentino nasceu há 40 anos com esta frase profundíssima: "¡Construiré una balsa y me iré a naufragar!" (também não é o caso de pedirmos altas filosofias ao rock). Ao longo de todas essas décadas, o rock foi abrindo caminho a golpes de solenidade, lugares-comuns e estereótipos. Até que, há coisa de três anos, surgiu um programa de TV (a esta altura, um cult) que demole, um por um, os mitos do rock argentino: "Peter Capusotto y sus Videos".
Encarnado pelo ator Diego Capusotto (que começou na cena underground dos 80 e passou por diversos programas, até conseguir seu próprio espaço), é um apanhado de ácidas ironias sobre a bobageira intrínseca ao mundo dos roqueiros. O ciclo conta apenas com dez transmissões por ano, ansiosamente aguardadas por todos seus fãs -entre eles eu, claro.

MAGNETISMO
Todos conhecemos o clássico "Comment New York Vola l'Ideé d'Art Moderne" [Como Nova York roubou a ideia de arte moderna], de Serge Guilbaut. Paris é que foi roubada: desde o expressionismo abstrato, nos anos 50, Nova York passou a ser a capital mundial da arte. A principal referência para quase todos os jovens artistas, incluídos os argentinos (os argentinos sempre querem ser incluídos!).
Na bela Fundación Proa, no bairro portenho de La Boca, há uma exposição muito interessante sobre o tema: "Ímã - Nova York". É um panorama dos artistas argentinos que viajaram a Nova York nos anos 60 e sofreram influências do pop, da crise do expressionismo, do apogeu dos "happenings", dos primórdios da arte conceitual. Além de exibir as obras dos pintores, traz também entrevistas, com suas vozes lembrando aqueles bons e velhos tempos.


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