São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2011

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PERFIL

Dr. Paulo em ritmo de aventura

Maluf, 80, dá um pau na gurizada

RESUMO Aos 80 anos recém-completados ontem, Paulo Maluf prossegue sua agenda política no interior de São Paulo e em Brasília. Evocando suas obras e comentando temas do noticiário recente, como a violência, o aquecimento global ou as revoltas no mundo árabe, ele procura recuperar sua relevância política.

PAULO WERNECK

O CHRYSLER DESLIZA
macio pela avenida Tiradentes, sobe lépido pela alça de um viaduto e ganha a Marginal do Tietê. "Esta Marginal eu fiz, esta ponte eu fiz, esta adutora, a Guaraú-Mooca, eu fiz" -a voz no banco de trás é indefectível. A viagem até São José dos Campos vai durar poucos mais de uma hora, e enquanto dá a entrevista à Folha, Paulo Salim Maluf, 80 anos completados e comemorados ontem, na Sala São Paulo, narra em primeira pessoa a paisagem que se vê pela janela do carrão.
O deputado federal dedicou a manhã ensolarada de sábado para um evento político: a filiação do vereador Alexandre da Farmácia ao Partido Progressista. Alexandre é sua aposta para a corrida eleitoral do ano que vem na maior cidade do Vale do Paraíba. O partido está sendo "reestruturado" no interior, informa Jesse Ribeiro, seu assessor há décadas, e Maluf tem percorrido o interior para o "corpo a corpo" com correligionários.

TEMPO MÍTICO Paulo Maluf traz uma dupla sensação de atualidade e anacronismo, de que há na política um tempo mítico, que retorna sempre ao mesmo ponto. E não apenas no Brasil: Moscou teve como prefeito o "Maluf russo" Iúri Luzhkov, que governou por duas décadas até o ano passado e planejou pontes submersas; Nova York teve o "Maluf americano", Fiorello LaGuardia, entre 1934 e 1945.
Maluf não tem efetivo peso político nem aliados visíveis no primeiro plano do poder, impedido de sair do país (é procurado pela Interpol); seu mandato lhe dá a segurança do foro privilegiado no Brasil, mas ele está ausente das grandes discussões do país. Mas ele parecia mais atual do que nunca na manhã de 6 de agosto, ao ler sobre a morte de seis homens que estariam se preparando para explodir caixas eletrônicos em Parada de Taipas, na zona norte.
Na versão da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), "tropa de elite" paulista, os PMs agiram cumprindo seu dever, durante um tiroteio. Os seis foram abatidos no dia 5, com tiros na cabeça, indício de execução sumária. Semanas depois, surgiu a hipótese de a Rota ter preparado uma emboscada.
"Com a Rota ninguém brinca", diz ele, brandindo a edição da Folha que mostrava um PM a observar os cadáveres que jaziam dentro de um carro. "Veja os jornais de hoje. A Rota veio e acabou com a brincadeira. Os direitos humanos, quando um bandido é assassinado, culpam a sociedade que não deu ao bandido condições de ele se educar, não deu emprego. Mas nunca esses tais direitos humanos foram ver se a família do soldado estava amparada, se a viúva tinha como educar os filhos, sabe?"
E se os policiais tiverem mesmo virado para a parede as câmeras de segurança do supermercado onde o crime ia acontecer, conforme a versão que já circulava naquele dia? "A mídia quer vender jornal. Então a mídia procura esse detalhe: virou a câmera. Eles foram ou não foram explodir os caixas eletrônicos? Quer dizer, o culpado é quem virou a câmera? O culpado é o mordomo?", diz Maluf, mais atual do que nunca.

LUA DE MEL Até chegar a São José, Maluf vai narrar com precisão o seu percurso de 15 mil quilômetros de carro durante a lua de mel com Sylvia, em 1955 -cinco meses que começaram numa tourada em Madri ("Saí de lá escandalizado e ferido pela brutalidade do espetáculo, e aí fui para o hotel Ritz"). "Na verdade, a lua de mel foi um roteiro de visitas a fábricas." Os nubentes visitaram linhas de produção na Inglaterra, na França, na Alemanha, na Suécia, na Áustria, na Itália, para aprender tecnologia para as empresas da família.
Na Câmara de Vereadores de São José, foi recebido com festa pelos correligionários da região e por um Alexandre da Farmácia visivelmente emocionado. No palanque, Maluf comentou a crise mundial: "A gente olha para a crise da Grécia, da Itália, e o que sobra? As obras. O Coliseu, a Acrópole". E repete o que parece ser seu novo bordão: "As pessoas veem os tropeços que eu dei, mas não conhecem as cachaças que eu tomei".

FESTA O clima de festa se repetiria dias depois, no voo que Maluf chama de "a esperança dos suplentes" -não são poucos os parlamentares que decolam de Congonhas rumo a Brasília nas manhãs de terça, início da semana parlamentar. Num saguão de aeroporto lotado, ele sai distribuindo "obregados" a esmo e é alvo de curiosidade, pedidos para posar para fotos e imitações por parte de passageiros e da tripulação do avião. Nenhuma hostilidade. Maluf parece pertencer ao campo da estética, não mais da política. Prova disso é seu gosto em aparecer no "CQC", programa satírico da TV Bandeirantes.
No avião, puxa um exemplar da revista "The Economist" que mantém constantemente debaixo do braço e usa para ilustrar suas teses. É visível seu empenho em se mostrar a par da pauta política do país, sempre apresentando-se como um precursor das questões contemporâneas.
"Na minha vida particular eu plantei não 1 milhão de árvores, nem 2 milhões, nem 3 milhões, nem 10 milhões. Eu plantei 100 milhões de árvores no Estado de São Paulo, nas propriedades da minha empresa, a Eucatex, o nome vem de eucalipto. Eu contribuí contra o aquecimento global mais do que todos os conservacionistas".
Sobre a Parada Gay de São Paulo e os direitos dos homossexuais, é lacônico: "Eu não participaria. Eu gosto é de mulher".
Sobre a campanha de Fernando Henrique Cardoso pela descriminalização da maconha: "Sou contra". Já fumou maconha? "Não." Já lhe ofereceram? "Já." O que respondeu? "Não digo, mas tem a ver com a irmã e a mãe de quem me ofereceu."
Sobre a primavera árabe: "Meu pai veio para o Brasil numa revolta árabe, em 1910, na luta pela democracia contra o império Turco-Otomano".
Tem intenção de concorrer à Prefeitura de São Paulo? Ele faz mistério, embora pareça claro que não tem musculatura política para chegar ao segundo turno. Faz, no entanto, uma análise odontológica sobre sua adversária dileta, Marta Suplicy, que naqueles dias tentava emplacar sua candidatura pelo PT: "A Marta é candidata. Quando ela me cumprimentou, dava para ver os 28 dentes dela".
Se é verdade que Maluf conseguiu implantar medidas progressistas em sua gestão na prefeitura, como o cinto de segurança, ele foi a São José sem o cinto no banco traseiro. Disse desconhecer a lei que o obriga a usá-lo. E deu soquinhos no banco dianteiro do Chrysler, mostrando estar protegido.
Maluf é um amante do automobilismo, sendo frequentes as suas idas a Interlagos com os netos, para dar umas voltas de Porsche no autódromo. "Dou um pau na gurizada, mas não abuso. Em Interlagos a pista fica abaixo de dois minutos, mas eu faço em dois minutos e 15, não abuso. Só dou cinco ou seis voltas porque cada jogo de pneus desses Porsches envenenados custam R$ 7.500. Economizo o breque e o pneu."

PIRATARIA Outro tema contemporâneo, a pirataria e os direitos autorais, vem à baila quando Maluf me entrega um CD em cuja capa ele próprio aparece de fraque.
Trata-se do "Concerto para Seis Pianos e Orquestra" de Hexameron, tocado pela Orquestra Sinfônica Brasileira em Campos do Jordão, em 1979. Os seis solistas foram Antonio Guedes Barbosa, Arthur Moreira Lima, Jacque s Klein, João Carlos Martins, Nelson Freire -e Paulo Salim Maluf. "Quantos prefeitos, governadores, presidentes da República tocaram com Nelson Freire?", pergunta, orgulhoso.
"Pianista é muito vaidoso, não gosta de tocar na companhia de outros pianistas", diz. "Só tocaram comigo porque eu era governador." Gaba-se de sua performance: "Fui o único a tocar sem partitura", diz. "Estudei durante seis meses. Fui perfeito." A renda do LP foi doada "às crianças do Vale do Ribeira".
Anos depois, Maluf mandou prensar centenas de CDs com a gravação, para distribuir a seus contatos. "Esse CD custou R$ 2 porque mandei fazer na minha produtora", explica. "Se fosse comprar numa loja, custaria R$ 15. Por quê? Quem é o pirata?"
Talvez porque na loja sejam cobrados impostos e direitos autorais? "Eu defendo o consumidor final", diz. Então alguém poderá quebrar patentes da Eucatex e fabricar seus produtos sem pagar royalties? "Se for capaz de produzir, pode. Meu lema é: quem pode, pode, quem não pode, se sacode."
Numa parede de seu apartamento funcional em Brasília, há a reprodução da capa de uma revista que o mostra em sua primeira comunhão, com o título "O menino que virou Maluf".
Depois do almoço e antes da visita do ministro Guido Mantega ao Congresso, ele assiste, no "Jornal Hoje", à prisão de funcionários do Ministério do Turismo pela Polícia Federal.
"Isso vai pegar a Marta", vibrava, referindo-se à sua adversária.
Em sua boca, eram bem visíveis seus 28 dentes.

Paulo Maluf traz uma dupla sensação de atualidade e anacronismo, de que há na política brasileira um tempo mítico, que sempre retorna ao mesmo ponto

"Plantei 100 milhões de árvores em São Paulo, nas propriedades da minha empresa. Eu contribuí contra o aquecimento global mais do que todos os conservacionistas"

"Quantos prefeitos, governadores, presidentes da República tocaram com Nelson Freire?", pergunta, orgulhoso. "Fui o único a tocar sem partitura"

PROCESSOS
Leia caderno especial Poder/Corrupção e texto de Bernardo Mello Franco sobre processos de Maluf em folha.com/ilustrissima



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