São Paulo, domingo, 10 de abril de 2011 |
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IMAGINAÇÃO PROSA, POESIA E TRADUÇÃO Dói demais ATILLA JÓZSEF tradução NELSON ASCHER ilustração RAFAEL CAMPOS ROCHA A morte atenta de dentro e fora te afugenta (ratinho oculto com receio) e, enquanto arderes, vais procurar junto às mulheres refúgio em braço, joelho e seio. Mais que o calor do colo afável, mais que o ardor, precisar muito é que te apressa; assim, quem quer que possa abraça uma mulher até que a boca empalideça. Fardo supremo é ter que amar, mas sumo prêmio. Quem ama e não encontra um par é, na miséria de seu desterro, como a fera desamparada ao defecar. Outras guaridas não há, mesmo que armado agridas a própria mãe, homem ousado! Só que houve, um dia, uma mulher que me entendia e, ainda assim, me pôs de lado. Sou pária em meio da espécie. Ornando-se de anseio e angústia, zumbe-me a cabeça: seu som contínuo, que nem chocalho que um menino chacoalhe ao ficar só, não cessa. Como se opor e o que fazer em seu favor? Se o descobrir não me envergonho. Está provado que o próprio mundo põe de lado quem trema ao sol e tema o sonho. Toda a cultura me foge tal qual, na ventura alheia, a roupa cai do amante. Mas, vendo a morte caçoar-me, que ela nem se importe e eu sofra só - não é o bastante? Dói, ao recém- nascido, o parto, e à mãe também. Reduz-se a dor quando é conjunta. Eu, se me esmero cantando a dor, ganho dinheiro e a mim a infâmia é que se junta. Basta! - Garotos, que vossos olhos ceguem rotos onde, por perto dela, andais. Vós, inocentes, gritai sob botas inclementes, dizendo-lhe que dói demais. Cães adestrados, sede na rua atropelados a lhe ganir que dói demais. E vós, gestantes, não deis à luz, abortai antes e lhe chorai que dói demais. Gente sadia, adoecei e, na agonia, lhe sussurrai que dói demais. Homens que houver se engalfinhando por mulher, não silencieis que dói demais. Cavalos, touros, à espera dos jugos vindouros, gemei castrados: dói demais. Peixes nadando mudos sob gelo, arfai-lhe quando o anzol fisgar-vos: dói demais. Tudo de vivo que a dor aflige sem alívio, queime-se a terra que habitais- vinde tisnados e, junto à cama dela, aos brados, bramai comigo: dói demais. Que saiba disso a vida toda: por capricho, ela negou-se por inteiro, mandando embora um ser em fuga dentro e fora de seu refúgio derradeiro. Texto Anterior: Arquivo Aberto: Nossa má fama nos precede Índice | Comunicar Erros |
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