São Paulo, domingo, 10 de julho de 2011

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PERFIL

Pedro Paulo, longe de Paraty

Ou eles não usam gravata-borboleta

RESUMO
Um dos mais proeminentes editores brasileiros entre a década de 1970 e o começo dos anos 2000, Pedro Paulo de Sena Madureira marcou época com um estilo que aliava erudição a tino comercial e extravagância. Caiu em descrédito após a quebra do Banco Santos, de Edemar Cid Ferreira, de quem era parceiro.


Paulo Monteiro


JOSÉLIA AGUIAR

TERNO, GRAVATA-BORBOLETA, echarpe, chapéu-panamá no verão e de feltro no inverno. De bengala, nos últimos anos. Nos bolsos, celular, agenda, carteira, isqueiro, dois maços de cigarro e uma piteira dada por Marguerite Duras (1914-1996). O figurino é esse, até para passear pelo bairro paulistano onde mora, Higienópolis.
Faz calor, e Pedro Paulo de Sena Madureira, 63, me recebe de bermuda e camiseta. O espumante catalão chega com pedras de gelo, "como fazem as ricas americanas", diz, rindo. "Ninguém de fora de casa me vê vestido assim. Só estou assim porque você é baiana." Aristocráticos, cosmopolitas, liberais, com tino para o comércio: assim são os Sena Madureira, na descrição do próprio Pedro Paulo. Orgulha-se da mitologia do clã: judeus até o século 14, tornam-se cristãos-novos com a Inquisição. Um ramo parte de Lisboa para o Recôncavo Baiano, onde toma posse de uma sesmaria em 1598.
O mais ilustre é o coronel Sena Madureira, tio-avô que lutou na Guerra do Paraguai (1864-1870) e nomeia cidade no Acre. Mas é a avó Alice, professora de história no Rio, a que parece mais importante: "Ela foi Chanel antes de Chanel", define. A maioria das frases que dizia Alice parece ter saído do editor, e já não se sabe mais o quanto é recriação do próprio:
""Pedro Paulo, somos privilegiados, ela lhe disse certa vez. Despencamos da mais elegante e culta aristocracia para a ala dos desvalidos.
""E onde está o privilégio, vovó?
""Não tivemos de fazer escala na classe média.

HORROR À MEDIANIA Esteta com horror à mediania, Pedro Paulo é um desses poetas do decadentismo, do fim-de-século inglês ou francês. Mas nascido no Rio de 1950.
Na casa da avó Alice, leu na adolescência toda a Bibliothèque de la Pléiade, coleção de clássicos da Gallimard. Desde então, tem o hábito de anotar as leituras numa caderneta ""o número alcança hoje os 150 volumes por ano, mas já foi maior. Aprendeu cedo a falar francês, inglês e espanhol.
Chegou aos 17 anos sem saber o que ia fazer da vida. Pensou que podia ser diplomata e prestou vestibular para direito, em 1967. Passou, mas só frequentaria o curso por três meses.
O episódio que mudou sua vida é narrado com solenidade. Eram 11 da noite de uma quarta-feira. Saiu do cine Paissandu para se sentar com os amigos num bar na esquina da rua Senador Vergueiro, no Flamengo. Na mesa estava um jovem sete anos mais velho: Leonardo Fróes, que chegara da Europa e assumira a direção da Bruguera, editora espanhola que vendia em bancas do subúrbio histórias de amor, suspense ou caubói. Na manhã seguinte, veio o convite para ser assistente de Fróes. Enfim, descobria sua vocação.
Quase dois anos depois, lê numa noite o Evangelho de São João, uma edição francesa da Bíblia de Jerusalém traduzida pelos dominicanos de Paris. "Aquilo me deixou completamente transtornado", diz. Ninguém entendeu: pediu demissão e foi morar com os dominicanos no Rio. Decidiu depois radicalizar a experiência: se juntou aos beneditinos da Bahia. Foram dois anos no claustro.
Depois de sair do mosteiro, outro golpe de talento. Por conta de uma tradução do poeta francês Saint-John Perse (1887-1975), é chamado por Antonio Houaiss para ser seu assistente na preparação da "Grande Enciclopédia Mirador". Aos 20 e poucos, convivia com Otto Maria Carpeaux, Afonso Arinos de Melo Franco, Francisco de Assis Barbosa, Alberto Passos Guimarães, Francisco Casa Nova.
A temporada na clausura não o tornara carola. Naquele começo dos anos 70, ia ter com intelectuais equilibrando-se sobre tamancos holandeses e exibindo o umbigo que saltava da calça batique. O namorado era integrante do grupo performático Dzi Croquettes.

EXTRAVAGANTE A extravagância, mas também a erudição e humor, são as assinaturas lembradas em toda editora em que passou: o extenso currículo tem escalas na Bruguera, na Vozes e na Rocco, entre outras. Numa época em que os fundadores das editoras eram também seus diretores editoriais, foi o primeiro que, não sendo herdeiro, ocupou o posto com projeção ""na Nova Fronteira, de Carlos Lacerda (1914-1977).
Sabido na mesma proporção em que é falante, Pedro Paulo cultivaria mais desafetos não fosse sua fineza. "Pepê é adorável", derrama-se o escritor Fernando Morais, artífice da transferência do editor para São Paulo. Na época, ele era secretário de Cultura do governo Quércia (1987-1991), e Pedro Paulo mudou-se para a cidade para cuidar das edições do governo.
A única vez que brigaram foi quando Pedro Paulo informou a uma coluna social que publicariam "Os Versos Satânicos", de Salman Rushdie. "Ele negou que a notícia tivesse vindo dele. Mas conheço Pedro Paulo; sempre teve trânsito com colunistas", diz Morais. Antes de ficar pronto, o livro teve de ser cancelado, diante da reação da comunidade islâmica.
Fernando Nuno, editor sob comando de Pedro Paulo na Girafa, recorda uma rotina de muitas conversas, que terminavam com vinho e ópera: "Era uma editora em que se ria muito. E se trabalhava pouco. Não sobrava um minuto, com tantas reuniões", recorda. Não à toa, a empresa tinha por mote "pés no chão, cabeça nas nuvens". Logo os sócios majoritários escalariam um interventor.
"Ele domina a arte de editar", define o senador José Sarney (PMDB-AP), que foi seu autor.

EMPADINHA Pedro Paulo criou uma persona folclórica na São Paulo da década de 1990. Seus palpites ajudaram a formatar o nome e o cardápio do Nabuco, badalado bar de que foi sócio. "Como assim não vai ter empadinha? É inadmissível", disse ao sociólogo Carlos Alberto Dória, um de seus parceiros na empreitada. A cozinha preparava um certo "bacalhau Sena Madureira em seu leito de espinafres".
Afora as criações gastronômicas, Pedro Paulo ajudou a estabelecer o departamento editorial da Siciliano, então rede de livrarias, antes de fundar a Girafa.
A grande experiência editorial, no entanto, é aquela que começou na Nova Fronteira em 1976. Ao lado dos filhos de Lacerda, ambicionou transformar a empresa na Gallimard brasileira.
A erudição nunca o afastou de decisões editoriais com apelo de vendas. Thomas Mann figurava ao lado de Agatha Christie no catálogo da Nova Fonteira dos anos 1980, que consagrou também o chamado "best-seller europeu", em títulos como "Memórias de Adriano", de Marguerite Yourcenar, e "A Insustentável Leveza do Ser", de Milan Kundera.
Com facilidade para detectar potenciais sucessos editoriais, fez nascer obras que ocuparam por meses as listas de mais vendidos: o faro o conduziu a "E por Falar em Amor", de Marina Colasanti, e "Só É Gordo Quem Quer", de João Uchôa Jr. Por indicação de Drummond, lançou Adélia Prado. Descobriu uma autora em Lya Luft.

OUTONO Do período na nova Fronteira, ele diz guardar saudade ""melancolia, não. Há quase cinco anos, Pedro Paulo vive seu outono, depois do escândalo financeiro que se seguiu à falência do Banco Santos, de Edemar Cid Ferreira. A carreira de editor era dividida desde os anos 1990 com a de vice-presidente da Brasil Connects, do ex-banqueiro, que promovia grandes exposições de artes plásticas. O posto na direção fez com que seus bens fossem bloqueados. As editoras não demoraram para lhe virar as costas.
Em casa, abatido e medicado, é cuidado por Carlos Henrique, seu companheiro há três décadas, e pela diarista Silvia. Ocupa-se agora de uma antologia de poemas inéditos, "Tenho Medo", e já faz planos para uma nova editora. "Expliquei a um grande investidor que fazer uma editora custava, em um ano e meio, R$ 2 milhões. Ele me disse: "Só isso? É pouco dinheiro'", relembra. "Eles não conseguem raciocinar nessa escala, só acima de R$ 150 milhões."
Diz que vive de aulas que dá para madames e da ajuda dos "bons amigos fiéis". De casa, sai para passeios curtos, visitas médicas e almoço com os amigos.
Não foi convidado nem vai por conta própria à Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), QG do "grand monde" editorial nesta semana. Diz que tem certa preguiça de se deslocar tanto. Altivo, ao comentar o encontro das letras, lembrou o dia em que, sentado num café parisiense, recebeu das mãos de Marguerite Duras a piteira que ainda hoje leva no bolso. "Eventos como a Flip dão a quem os frequenta esta sensação de andar em Paris: você pode encontrar o escritor de que gosta na mesa do lado."
Os quatro cachorros presos na cozinha começam a latir. A música já parou de tocar. Como se a mudança de trilha exigisse uma confidência, Pedro Paulo diz: "Nunca me arrependi de nada na minha vida. Mas me arrependo de ter ido embora da Nova Fronteira. Jamais deveria ter saído. Estava no esplendor. Foi uma imprudência".
Pedro Paulo chora. Carlos Henrique recolhe o espumante. Conversa encerrada.

Ia ter com intelectuais equilibrando-se sobre tamancos holandeses e exibindo o umbigo que saltava da calça batique

Há cinco anos, Pedro Paulo vive seu outono, depois do escândalo financeiro que se seguiu à falência do Banco Santos

Esteta com horror à mediania, ele é um desses poetas do decadentismo, do fim-de-século inglês ou francês, mas carioca


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