São Paulo, domingo, 10 de julho de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

DIÁRIO DE PARATY

A Flip é de Mario

O vácuo biográfico do pai de "Macunaíma"

PAULO WERNECK

SENDO DE OSWALD de Andrade, a Flip também é, por tabela, de Mario, cujo espectro ronda por todo lado, a começar pela conferência de abertura. Nela, Antonio Candido expressou perplexidade e inconformismo com a célebre (e jamais explicada) briga dos dois Andrades.
Terá faltado, ao final desta Flip, uma mesa sobre Mario, uma vez que ele teima em comparecer sempre que o assunto é Oswald?
"Qual a maior obra de prosa literária do modernismo?", pergunta o poeta Paulo Henriques Britto, em entrevista à Folha (leia mais à pág. 8). "Não é nenhum dos romances do Oswald, o Haroldo de Campos que me perdoe. É o "Macunaíma". Agora o "Macunaíma" não existiria se não fossem todos aqueles "insights" que o Oswald tinha num período de grande comunicação entre os dois."
E arremata: "De certo modo, é claro que o Oswald é um coautor do "Macunaíma". Ele é muito maior do que a obra dele". Para Britto, o "terceiro segredo de Fátima" é: "Por que não existe uma biografia de Mario de Andrade?"

LACUNA Na avaliação de Britto, "falta no Brasil uma tradição de biografias sólidas", apesar da sofisticação crescente dos trabalhos "do Ruy Castro pra cá". A maior lacuna a preencher, ele aponta, é justamente a de Mario de Andrade. "Seria preciso um bom biógrafo com acesso total aos papéis do Mario. Desconfio que isso ainda não seja algo aberto. Talvez ainda haja um certo controle em torno da obra dele, até para proteger a imagem."
Os arquivos de Mario estão no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP), sob os cuidados da pesquisadora Telê Porto Ancona Lopez. Por determinação testamentária, deveriam ter sido abertos a pesquisadores em 1995, nos 50 anos da morte do autor de "Macunaíma", mas ainda hoje ecoam queixas sobre dificuldades em pesquisar o acervo.

AUTOEXÍLIO DO PORNÓGRAFO Sempre tendi mais a bares centrais do que à pesquisa científica. Eis a frase oswaldiana preferida do escritor Reinaldo Moraes, que ele cita de cabeça, enquanto se desenrola a conferência do neurocientista Miguel Nicolelis em Paraty. No entanto, na Flip 2011, não era no Coupê, o tradicional "bar central" da cidade, que o pornógrafo podia ser encontrado, como nas edições anteriores da festa.
A 40 minutos de Paraty, isolado numa choupana na vila de Picinguaba, na costa norte de Ubatuba ""nada a ver com Porangatuba, a vila onde se refugia Zeca, o personagem de "Pornopopéia""", Reinaldo amarga um gélido autoexílio que coincide exatamente com a duração da festa.
Desde sexta-feira, ele está sozinho, dando trato a seu novo romance, encomendado pela Objetiva. Podendo ter escolhido a Serra da Mantiqueira, a Baixada Santista ou as neves do Kilimanjaro, decidiu se retirar bem ao lado da orgia oswaldiana que se encerra hoje, sob a batuta de Zé Celso Martinez Corrêa.
Nenhum homem é uma ilha, no entanto, e, por telefone, Moraes disse não ter a intenção de ir a Paraty ""precisa se concentrar na escrevinhação. Mas a ligação da reportagem o apanhou "ensebando no sofá", em suas próprias palavras, depois de uma "manhã produtiva" que durou até as 14h.
Não sabe dizer quanto já escreveu. Põe a culpa no editor de texto de parcos recursos que lhe faz companhia no retiro.

ITALIANOS Antonio Tabucchi não veio, mas a curiosidade ficou mesmo em torno de Cesare Battisti. Talvez fosse ele o mais indicado para representar a delegação italiana numa Flip cujo teor político pareceu se esvair após a desistência da presidente Dilma Rousseff, que havia prometido prestigiar a abertura ""e que a presença de um militante como Antonio Candido não conseguiu reacender, pelo menos até o fechamento desta edição. No lugar de Tabucchi, compareceu o (também italiano) Contardo Calligaris.


Texto Anterior: Reportagem: Candido, ou o pessimismo
Próximo Texto: Arquivo aberto: A aliteração
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.