São Paulo, domingo, 11 de setembro de 2011

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Com Marilyn, seria um filme dos anos 50

RAQUEL COZER

Marilyn Monroe não interpretaria uma dama da noite, decretou Paula Strasberg, tutora da atriz, quando Marty Jurow levou a ela o convite para que a loira protagonizasse "Bonequinha de Luxo". O produtor respirou aliviado. Tinha só repassado um pedido de Truman Capote, de quem comprara os direitos do livro. Um "sim" de Marilyn, todos sabiam, seria sinônimo de atrasos nas filmagens.
Além disso, quanto mais discreta fosse a protagonista, menos os censores veriam problemas. Audrey Hepburn era a cobertura doce perfeita para disfarçar o remédio amargo chamado Holly Golightly -como define, na seguinte entrevista por telefone à Folha, de Nova York, Sam Wasson, o autor de "Quinta Avenida, 5 da Manhã".
 
Folha - O que o levou a dedicar um livro inteiro apenas a "Bonequinha de Luxo" logo depois de escrever sobre a filmografia do diretor?
Sam Wasson -
Quando escrevia "A Splurch in the Kisser: The Movies of Blake Edwards", vi que "Bonequinha de Luxo" era um fenômeno não explorado: ninguém tinha se dedicado a escrever sobre uma das maiores histórias de amor de Hollywood. Na pesquisa para "Quinta Avenida", ao falar com uma mulher que viu a estreia, me dei conta de como a produção ajudou a moldar o imaginário feminino no cinema a partir de então.
A mulher era Letty Pogrebin, que anos depois fundaria a "Miss Magazine", revista feminista dos anos 70 e 80. Ela tinha acabado de chegar a Nova York, aos 21 anos, e viu em Audrey Hepburn e na personagem Holly Golightly um tipo garota que nunca tinha visto. Como Letty, as mulheres percebiam que era normal ser livre e que não havia por que sentir vergonha.

É curioso que, ao mesmo tempo que ajudou a mudar o imaginário feminino, Audrey Hepburn precisou mudar a imagem que tinha de si mesma para aceitar o papel.
Sim, e o fato de uma personalidade de Hollywood como ela resistir a aceitar o papel mostra como o filme era avançado. Foi difícil para ela, que tinha se tornado mãe meses antes e prezava a vida pessoal. A personagem ia contra a imagem que o público tinha dela e que ela achava que tinha de cultivar. Custou aos produtores convencer os estúdios e o marido de Audrey [o ator e diretor Mel Ferrer] de que era algo que ela podia fazer.

De certa forma, então, ela foi moldada por Hollywood para parecer algo que não fosse tão Hollywood.
Exatamente. Mas, quando o filme estava para sair, a Paramount temeu que Audrey passasse uma imagem quente demais e divulgou a personagem não como garota de programa, e sim como "kook" [algo como "maluquete"]. Além disso, no filme a relação de Holly com os homens era sempre só sugerida, nunca explicitada. Isso fez o público se sentir melhor em relação ao que lhe estava sendo apresentado.

A personalidade de Audrey foi fundamental para o que o filme virasse o que virou? Seria diferente com Marilyn Monroe no papel?
Audrey era uma boa garota, e Holly, uma garota má. Unir as duas foi como pôr cobertura doce num remédio amargo. Se Marilyn tivesse ficado com o papel, seria um filme dos anos 50, não dos 60, por motivo simples: os estúdios teriam sido muito mais firmes ao exigir cortes, já que Marilyn era sexy demais. A presença de Audrey permitiu que novas ideias fossem disfarçadas sob as antigas.

Como mudou sua impressão sobre o filme depois de escrever o livro?
Hoje eu o respeito mais. Quando alguém assiste a ele hoje, não tem a noção do quanto foi corajoso, porque aquilo tudo já faz parte da nossa cultura. Não sabemos como era para uma jovem ver esse filme em 1961; nós partimos de conceitos de uma jovem em 2011, para quem o filme é fácil e divertido. Respeito a esperteza dos realizadores em enganar censores para fazer o filme como queriam.

"Bonequinha de Luxo" é anterior aos filmes que Peter Biskind cita, em "Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock'n'Roll Salvou Hollywood" (Intrínseca), como pioneiros da revolução hollywoodiana dos anos 70. Pode-se dizer que abriu portas?
"Bonequinha de Luxo" não iniciou a revolução, embora fosse, sim, próximo de "A Primeira Noite de um Homem" (1967), "Bonnie & Clyde" (1967), "Sem Destino" (1969). Foi um filme à frente de seu tempo. Toda comédia romântica posterior deve a "Bonequinha de Luxo", que mostrou pessoas que não tinham o sexo como algo proibido. Até então, quando o casal ia para a cama, acabava o filme. Mas Holly e Paul já tinham ido para a cama -e com outras pessoas. Isso virou padrão a ponto de não notarmos o pioneirismo do filme.


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