São Paulo, domingo, 12 de dezembro de 2010

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DIÁRIO DE PRAGA
O MAPA DA CULTURA

Velha guarda do jazz

Novos e vários clubes em Praga

MARCOS FLAMÍNIO PERES

A ENTRADA LEMBRA o Pizza Express, que abriga em seu subsolo um dos clubes de jazz mais famosos de Londres, no Soho. Mas trata-se do Ungelt, uma das tantas casas dedicadas ao gênero que se espalham pelas ruas irregulares e apertadas do distrito de Staré Mésto, no miolo de Praga.
A capital tcheca ainda não rivaliza com a congênere britânica, mas está a caminho, com uma das cenas de jazz mais vibrantes do continente. O Ungelt, assim como o Reduta, JazzDock, USP e Small Glenn têm seus palcos ocupados todos os dias do mês, sem exceção -e, na maior parte das vezes, por instrumentistas locais.
A grande quantidade de músicos é uma das explicações para o sucesso do gênero no país -que, nos séculos 17 e 18, já era conhecido como "o conservatório da Europa". Nos anos 1920, quando o jazz chegou ao continente, "os tchecos se interessaram de imediato", explica Emil Viklicky, 62, que presidiu a Associação Tcheca de Jazz nos anos 90.
"Eles 'pegavam' o novo ritmo após assistirem a uma ou duas vezes os filmes da época", diz com entusiasmo o pianista, definido pela "Rolling Stone" como um dos "top de linha" locais. A forte tradição pedagógica rapidamente incorporou e consolidou o gênero que despontava. Apenas a tomada do poder pelos comunistas, em 1948, refrearia um pouco a expansão dos clubes, que retornariam com força após a queda da Cortina de Ferro, em 1991."Cresci nesse período, e graças a Deus ele acabou", lembra Viklicky.
Além da renovação contínua, a velha guarda permanece ativa. Nomes como George Mraz (baixo e sax), Miroslav Vitous (baixo) e Jaroslav Jakubovic (sax) -radicados em sua maior parte nos EUA- voltam regularmente à terra natal para se apresentar nos festivais que tomam conta das principais cidades. Obviamente, Praga acolhe os mais importantes, como aquele promovido pelo Agharta, principal clube do país. Expoentes da cena internacional, como Courtney Pine, Scott Henderson e Pat Metheny, também já se apresentaram nessa bela construção do século 14.
Mas que música é essa? Para Michal Hejna, diretor do festival, "os tchecos tentam tocar como os americanos -é assim em todo lugar! Mas também se produz aqui um som mais melodioso, influenciado pela tradição local".
Viklicky cabe bem nesse caso. Mas, ultimamente, também vêm surgindo vozes femininas com agudos poderosos, como Leona Milla e Petra Studená.

BEBOP TCHECO
O bebop, que daria início ao jazz moderno, começou a ser praticado no país pouco tempo depois de sua criação nos EUA -e bem por acaso. Durante as comemorações do fim da Segunda Guerra, em 1945, a big band de Kamil Behounek foi convidada para tocar em Nuremberg (Alemanha).
Lá também se encontrava a formação de Don Redman, um dos mais influentes arranjadores da história, que acabou contratando jovens músicos da banda de Behounek para prosseguir sua turnê europeia. Os americanos ensinaram aos colegas tchecos o novo fraseado veloz e nervoso, que Charlie Parker consagraria.
Um ano depois, de volta a Praga, eles fundam o Pygmalion, casa que se tornaria mítica por acolher o primeiro quinteto de bebop do país, composto de excelentes músicos -Dunca Broz (trompete), Cenek Stuchly, Jan Hammer (vibraphone e piano), Bolek Ziarko (baixo), Mirek Vrba (bateria).

FUGA PARA O BRASIL?
Existe uma mitologia em torno de Broz. Músico de sucesso nos anos 40, conseguiu juntar um bom dinheiro. Mas, dizem uns, empobreceu ao ter sido roubado, quando levava consigo grande quantia. Outros contam que gastou tudo o que possuía para escapar dos comunistas. E, o mais interessante, teria fugido para o Brasil...

A PRAGA DE SÉRGIO SANT'ANNA
O escritor brasileiro acabou de entregar à Companhia das Letras sua ficção sobre a capital tcheca, ainda sem data de lançamento. Narrada em primeira pessoa, conta as "perambulações eróticas de um flâneur" pelas ruas do centro histórico de Praga.
Sant'Anna, que ficou um mês na cidade em 2007, diz que, assim como seu personagem, passava o dia passeando. Só parava em algum café, de tempos em tempos, para fazer anotações, que organizava à noite no quarto do hotel. Mas lamenta não ter conhecido nenhum clube de jazz. "Só ouvi nas ruas, e era de muito boa qualidade."


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