São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2011

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LITERATURA

Monsieur Erotismo

Vinte séculos de leituras lúbricas

RESUMO O editor francês Jean-Jacques Pauvert, cuja coleção de Sade lhe rendeu processos, lançou um compêndio de literatura erótica que condensa uma vida dedicada ao tema. Para ele, o erotismo literário perde força com a liberalização dos costumes e com a cultura visual que tudo mostra, em vez falar à imaginação.

LENEIDE DUARTE-PLON

EDITOR DE SADE, André Breton, Boris Vian, Georges Bataille, Pierre Klossowski e Pauline Réage ("A História de O"), o francês Jean-Jacques Pauvert, 85, desde cedo se deixou seduzir pela literatura erótica.
Em 1947, aos 21, o rapaz que desde os 14 se entregava a leituras lúbricas pôs-se a editar as obras completas do marquês de Sade (1740-1814), então exilado no "Inferno", seção de obras "proibidas" da Biblioteca Nacional da França.
Sade, que hoje está na prestigiosa Bibliothèque de la Pléiade, estava condenado a edições descuidadas; os editores não ousavam sequer assinar os trabalhos, temendo processos. "Eu sabia que haveria um escândalo em torno da publicação, mas não esperava ser processado durante dez anos", conta à Folha o velho editor, que acaba de lançar um novo livro em torno do seu tema de predileção.
"Métamorphose du Sentiment Érotique", [JCLattès, 350 págs., R$ 48] é uma espécie de enciclopédia do sentimento erótico na literatura através dos séculos e das culturas, da antiga China (cujos manuais sexuais remontam ao século 2º) às confissões sexuais da crítica de arte Catherine Millet ("A Vida Sexual de Catherine M."), que ele não vê com bons olhos.
"A extrema precisão de detalhes eróticos do livro de Catherine Millet apaga qualquer aparência literária, por menor que seja, de erotismo. Quando há uma descrição médica de um ato, quase científica ou prosaica, deixa de ser literatura e não pode mais ser erótico."
Pauvert diz que, ao contrário do francês e do italiano, "em inglês, espanhol ou alemão não existe linguagem erótica. Existe a língua corrente, e quando se trata de erotismo o texto se torna grosseiro, eles não têm vocabulário para falar de erotismo. Não é o caso da França nem da Itália do século 18".
Na França, a tradição inaugurada no século 18 por Restif de la Bretonne e Chamfort, que segundo o editor cunharam a expressão "literatura erótica", ganhou fôlego com o surrealismo. A exposição universal que André Breton (líder do movimento e amigo de Pauvert) organizou em Paris, em 1959, tinha como título apenas "Erotismo".
Pauvert, porém, não gosta da expressão "literatura erótica", que vê como uma fórmula vazia, assim como "literatura proletária" ou "literatura policial". Ele diz que o erotismo "está no olhar de cada um, não é uma coisa cristalizada". No livro, ele conta que a concepção de "literatura erótica" foi, ironicamente, moldada a partir de textos jurídicos: era considerado "erótico" tudo o que fosse "ultraje aos bons costumes", "que tem a intenção de excitar as paixões sensuais" ou "que usa linguagem, quadros ou descrições indecentes, pornográficas ou obscenas".
"Para mim, obscenidade, pornografia e erotismo são termos diferentes, usados por pessoas diferentes, para designar a mesma coisa", ensina "Monsieur Erotismo".
Aos 27 anos, em 1954, Pauvert lançou "A História de O", narrativa de submissão sadomasoquista que se tornou um clássico imediato, assinado por Pauline Réage.
Em 1994, Dominique Aury, tradutora e integrante da equipe da mítica "Nouvelle Revue Française", confessou à revista "The New Yorker" ser a autora do livro, escrito para seu amante, o editor Jean Paulhan. Ele considerou o texto "a mais ardente carta de amor que um homem jamais recebeu".
Nos anos 1950, eram escassos os textos eróticos assinados por mulheres na literatura francesa. Em 1958, Pauvert lançaria "Le Repos du Guerrier" (o repouso do guerreiro), de Christiane Rochefort, logo adaptado para o cinema, com Brigitte Bardot no papel principal. Para ele, foi justamente a cultura visual, em especial o cinema, que retiraram o caráter imaginativo do erotismo e o substituíram por imagens explícitas, "até conquistar completamente os cérebros, por uma vulgarização acelerada, multiplicável, que retira à imagem erótica toda a força que ela teve durante um tempo".
A liberalização generalizada dos costumes trouxe, segundo Pauvert, "uma evaporação do erotismo, envolvido na dispersão geral das percepções pelas descobertas científicas que se sucedem e na qual todo mundo se perde".

"Quando há uma descrição médica de um ato, quase científica ou prosaica, deixa de ser literatura e não pode mais ser erótico", diz o editor


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