São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2011

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DIÁRIO DE FRANKFURT
O MAPA DA CULTURA

O cofrinho germânico

A Feira do Livro em época de vacas magras

JOSÉLIA AGUIAR

PARA UM INSTANTÂNEO geopolítico, recomendam-se os 14 mapas encartados no fim das 224 páginas do guia de bolso da Feira do Livro de Frankfurt: os alemães, por serem anfitriões, estão em maior número (mais de 3.000), em bloco coeso. Essa quantidade não é só de editoras, porém. Considere a infinidade de fabricantes de calendários, xícaras e outras quinquilharias com motivos literários.
Os americanos, um quinto dos alemães, estão por toda parte: são editoras, mas também empresas de serviços editoriais e "start-ups" digitais. A Índia se espalha pelas mesmas áreas dos EUA. Ainda são pouco mais de 50.
Quase isolada, num dos edifícios detrás, a China também se arruma em bloco, com seus cerca de 200 expositores. Os países árabes se abalroam num andar de baixo meio escondido.
Os editores do Irã, islâmico mas não árabe, foram colocados desta vez lado a lado com os árabes. A Primavera Árabe afetou vocês? "Do que está falando? Não temos nada a ver com eles", vociferou Akbar Tohidlou, do iraniano Elmi Farhangi Publishing. Outros dois editores de seu país reclamaram pelo mesmo motivo.
Hanna Joshua é árabe mas não é islâmico. É da Arabic Evangelische Stuttgart, igreja evangélica que publica livros. "As melhores obras árabes estão aqui", promove-se Joshua, que tem deficiência visual. "Seu jornal é conservador? Só quero dar entrevista se for para jornal conservador."

O MENOR ESTANDE DO MUNDO
País representado por um só e pequeníssimo estande, Cuba forrou suas paredes com livros, vídeos sobre autores e fotos de Che Guevara. Como numa banca de jornal.
Não é dia de vender livro, apenas direitos autorais, mas não foi difícil comprar os dois volumes das obras completas de José Lezama Lima por € 25. Não é o autor mais popular na ilha. Não, também não é Alejo Carpentier, sequer Ernest Hemingway. José Martí é a preferência.
Um dos três presidentes de estatais editoriais me entrega o folheto com o endereço para compras vindas de lá: soycubano.com. "Não é ponto cu, de Cuba?" "Não, é ponto com, de comércio".

ONDE ESTÁ O FUTURO
Esqueça os apps. O futuro do livro, ou ao menos o negócio que mais floresce na última década, é a de edições fac-símiles de obras raras. Para quem gosta de raridades e não tem essa fortuna toda para gastar em antiquários.
Pablo Molinero e Juan José Garcia se declaram a potência marítima desse oceano editorial com sua Siloé (www.siloe.es), sediada em Burgos, lugar que querem transformar na capital mundial do livro. Já abriram um museu.
"Sabe por que nós estamos à frente disso?", pergunta Molinero, enquanto folheia sua reprodução de "Livro de Horas de Luis de Laval", do século 15. "Porque nem os suíços, nem os alemães ou italianos, muito menos os americanos descobriram como fazer com que os papéis se pareçam tanto com os de livros antigos."
É como o segredo da Coca-Cola. Só os dois, o pai de um deles e o primo sabem a receita. Levam até dois anos para fazer cada edição, limitada e numerada a 898 exemplares, com certificado notarial. No máximo, editoras de fac-símiles tiram apenas mil. "Pensei em fazer 666, o número da besta. Mas hesitei", explica Garcia. Estão contentes em sair em jornal brasileiro. Querem ter clientes ricos do país. "Vocês são emergentes. A Espanha está em emergência."

A CULPA É DO FIM
O turco Hikmet Silik, 45, vive há 38 em território alemão. Faz duas décadas seu táxi pertence ao ponto de um dos portões da Feira do Livro de Frankfurt.
A poucas horas de fechar o evento, calcula a féria dos cinco dias: € 400. "Era o dobro, até mais, há uma década", garante. Silik tem saudade do tempo em que a feira alemã durava duas semanas. Os executivos passavam mais tempo na cidade, e havia muito mais visitantes comuns. A cada ano está mais vazia.
"A culpa é da internet", diz. Raciocina: agora eles resolvem tudo sem precisar estar aqui. "Não, a culpa é do euro", corrige. Quando era o marco alemão, Silik conta que ganhava mais. "Ah, sim, e do fim do livro também", acrescenta, e silencia.


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