São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2011

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DIÁRIO DE LISBOA

O mapa da cultura

Vidas portuguesas

Vários sabores da poesia

ISABEL COUTINHO

POUCOS DIAS DEPOIS de Sophia de Mello Breyner Andresen morrer, em 2004, coube-me a ingrata tarefa de ir à sua casa, em Lisboa, ter com uma das suas filhas para escolher fotografias para o caderno "Mil Folhas", de homenagem à escritora, que estávamos a preparar no jornal português "Público". Na sala, que dava para o jardim, havia uma arca de madeira. Maria Andresen abriu-a, à minha frente, pela primeira vez. Lindíssimas fotos de família, a preto e branco e a cores, estavam ali guardadas.
Maria passou os últimos anos a inventariar os papéis da mãe e a preparar a doação do espólio de Sophia (1919-2004) à Biblioteca Nacional de Portugal (BNP). Mas só no ano passado, quando procurava uma fotografia para oferecer a uma das suas irmãs, é que reparou que a arca tinha um fundo falso. Descobriu, alinhados, vários cadernos. Sophia nunca tinha falado deles aos filhos.
Tinham os seus primeiros poemas, datados de 1933, 1934 e até 1943. Quatro dos cadernos estavam rasgados e colados e têm dezenas de poemas inéditos. Sabe-se agora que os amigos de Sophia liam os seus poemas, António Calém até os passava à máquina, e insistiam para que ela publicasse o seu trabalho.
Nesta semana, na cerimónia de doação do espólio à BNP, Eduardo Lourenço lembrou que, na dedicatória que Sophia lhe escreveu quando lhe enviou "O Nome das Coisas" (1977), dizia: "penso que a poesia faz parte da história da vida e não da história da literatura".

BRASIL & PORTUGAL
Por cá, para se esquecer a crise e o frio, já se pensa em 2012, quando vai ser celebrado o ano Portugal-Brasil e Brasil-Portugal.
Considerando que Fernando Pessoa é o maior embaixador da literatura portuguesa, a ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, estabeleceu um protocolo com a Casa Fernando Pessoa e atribuiu uma verba de 55 mil, numa primeira fase, para que a directora da casa, Inês Pedrosa, esboce e execute um programa de divulgação da literatura portuguesa no Brasil. Para 2012, estão a ser preparados um ciclo de conferências e debates de autores em diferentes cidades brasileiras; a realização de um filme de curta duração em que se apresentam dez novos escritores portugueses e a criação de uma colecção de obras de referência da literatura portuguesa para ser distribuída no Brasil.
É o primeiro passo de um projecto que, no futuro, contará também com a parceria do Instituto Camões e de Guimarães -Capital Europeia da Cultura 2012.

O POETA PREDADOR
No outro dia, o escritor português Valter Hugo Mãe, cujos romances começaram a ser publicados por aí, disse que lhe apetecia ir para o Brasil, "fugir deste frio, desta crise, deste Sócrates, destas festas que sabem a embrulho chinês". O seu pedido foi cumprido. Em julho, ele é um dos convidados da Festa Literária Internacional de Paraty.
No último Correntes d'Escritas, o encontro de escritores de expressão ibérica que acontece na Póvoa de Varzim, vi o autor de "A Máquina de Fazer Espanhóis" levar a plateia ao delírio ao gritar "Sou um predador, eu sou um predador". Nesse ano, calhou-lhe em sorte falar numa mesa dedicada ao tema "O poeta é um predador".
E então, Valter, que na sua curta vida (vai fazer 40 anos em setembro) já andou à caça de abelhas e pirilampos, caçou as galinhas que escapavam do galinheiro e teve um cágado que fugiu para as heras durante dois anos, disse que era "um predador disto, que é sempre o mesmo. O outro lado das coisas, sem o qual a incompletude se acentua. Se for poesia, então sou poeta. Não sei ser outra coisa ou ainda não me ensinaram".
Na sua obra cabem todas as fantasias lusitanas.

ONDE O FADO JAZZ
Dois loucos à solta, um com 70 anos e outro com 40, juntaram-se e fizeram um disco. São o fadista Carlos do Carmo e o pianista e músico de jazz Bernardo Sassetti. O disco tem o nome deles e é acompanhado por um DVD onde contam como começou esta ligação improvável entre o fado e o jazz. Carlos do Carmo, que há 47 anos escandalizou puristas ao cantar fado com orquestra sinfónica, teve um sonho e convidou Sassetti para jantar. Pediu-lhe que improvisasse ao piano enquanto cantava canções de que gostava muito.
Num trabalho sem rede recriaram "Quand On n'a Que L'Amour", de Jacques Brel; "Lisboa que Amanhece", de Sérgio Godinho, "Foi Por Ela", de Fausto, e "Gracias a la Vida", de Violeta Parra, entre outros. "Isto é tramado de tocar", diz Bernardo. "Faça lá isto em fado", foi o que Carlos pediu para a canção imortalizada por Mercedes Sosa. Juntaram duas canções inéditas e resultou um disco com métrica e estrutura muito para além das tradicionais.
Procuraram caminhos e a ouvi-los só podemos gritar vivas: "Que a liberdade está a passar por aqui!"


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