São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

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Crise de identidade

Marketing imobiliário muda nome de bairros; movimento na Lapa quer preservar cultura

EDSON VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Os folhetos imobiliários têm levado vários bairros paulistanos ao divã. Campo Limpo, por exemplo, pensa que é Morumbi Sul, e Santa Cecília assume ares de "Higienópolis Around".
Um dos mais emblemáticos casos de "alargamento" é o do Morumbi (zona oeste), que já está "chegando a Itanhaém", exagera o urbanista e professor da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) Candido Malta Filho, 69.
O auditor de investimentos Bernd Rieger, 65, lembra que já faz mais de duas décadas que o vizinho Campo Limpo (zona sul) foi apelidado de Morumbi Sul por incorporadores.
A valorização de uma região tida como menos nobre por meio de um novo batismo mercadológico é uma faca de dois gumes, segundo ele. De um lado, "pode ser uma forma enganosa de atrair compradores para um lançamento", pondera.
Rieger cita como exemplo da "falta de ética" um empreendimento na região da avenida Professor Francisco Morato, no Butantã (zona oeste), que "vendia" em seu folheto a "vizinhança" da praça Vinícius de Moraes, que fica no Morumbi, "a dez quadras do prédio".
"Quem está no raio de um quilômetro do Ibirapuera faz uma foto de cem metros de altura com a vista do parque para a publicidade do lançamento, sendo que o andar mais alto estará a 30 metros do chão", diz.
Mas há um outro aspecto, positivo, na desfiguração de bairros por nova nomenclatura.
"Ao expandir o núcleo de uma região, o mercado imobiliário a ajuda a crescer", observa Wilson Marchi Junior, 39, sócio da EGC Arquitetura.

Vila Nova Leopoldina
"Há uma influência na transformação urbana, pois qualidades da área vizinha mais valorizada são levadas, com o nome, para a área menos nobre, como o interesse de comerciantes e o crescimento do conceito do bairro na opinião de seus próprios moradores", raciocina.
Mas nem todos aprovam esse tipo de mudança. Na Lapa (zona oeste) e em bairros vizinhos, como Vila Romana e Vila Ipojuca, moradores criaram o Mover, um movimento contra a verticalização e a perda de identidade cultural das regiões.
"Seja qual for o bairro, ele será "vendido" como Alto da Lapa ou Vila Romana", caracteriza Sidney Scarazzati de Oliveira, 52, da coordenação do Mover.
"Para dar charme a um trecho menos nobre, criaram a Vila Nova Leopoldina", pontua.
Compradores que se sentem lesados com propaganda enganosa não têm muito a fazer.
"O incorporador se aproveita da falta de delineação clara dos bairros na cidade, não há nada de irregular", avalia Marchi. "A documentação do imóvel trará o endereço correto."


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