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ESTHER DYSON
Release 3.0: as minorias em Davos
Este foi o ano em que Davos descobriu a Internet. Os líderes empresariais e governamentais que
participaram do encontro anual
de Davos neste ano estavam
cheios de satisfação, além de certa
dose de orgulho. Finalmente, eles
também iriam participar do milagre que vem movendo a economia dos EUA -e seu mercado
acionário.
Não faltaram grupos de discussão sobre a Internet, abrangendo
desde modelos econômicos até a
discussão de como lucrar com o
entretenimento na rede mundial.
Entre os principais oradores estavam Steve Case, Bill Gates e Michael Dell -ou seja, a Internet
estava por toda parte.
O primeiro-ministro britânico,
Tony Blair, falou sobre a Internet
em seu discurso sobre as linhas
mestras do desenvolvimento e admitiu, em meio a risadas generalizadas, ser novato. Bill Clinton
apontou, com orgulho, para o papel dos EUA no desenvolvimento
da rede.
No entanto a experiência me
deixou o sentimento preocupante
de que eles não estão entendendo
o mais importante.
E isso se aplica não a Davos e à
Europa. Diz respeito ao establishment e, especialmente, ao establishment não-americano, do
qual Davos é mero porta-voz.
Sem esforços
Os organizadores de Davos
-formalmente, o Fórum Econômico Mundial- não mediram
esforços para convidar empreendedores de todo tipo na Internet e
tinham conseguido atrair desde
Pierre Omidyar, fundador da
eBay, até Halsey Minor, da Cnet,
passando por Jay Walker, da Priceline.com e até mesmo Dave Winer, um empreendedor que ainda
não ganhou US$ 1 bilhão, mas
cuja voz e cujo site (DaveNet) são
muito conhecidos em todo o Vale
do Silício.
Mas onde estavam os empreendedores europeus? Os sujeitos do
quintal de Davos, como Martha
Lane Fox, da lastminute.com,
Tim Jackson, da QXL, ou Josi
Herrero, da LaNetro.com? Um ou
dois deles estavam presentes, mas
a maioria foi relegada aos programas que geram os subsídios
para o fórum e não participou
das conferências de mais destaque.
Entre outros, estavam Ola Ahlvarsson, da Boxman (a maior loja varejista on line da Europa, especializada em CDs) e da Result
Ventures, Martin Varsavsky, da
Jazztel, e Stefan Roever, da Brokat, especialista em software para
bancos e segurança.
Acredito que os participantes
em Davos não entenderam que a
nova economia não diz respeito à
Internet, e sim, antes de mais nada, a pessoas e modelos econômicos.
Ao apresentar Michael Dell,
um dos organizadores do fórum,
Klaus Schwab, cometeu um deslize com o qual se traiu, dizendo
que Michael Dell iniciou sua empresa no quarto que ocupava na
universidade, usando a Internet.
Acontece que Dell, como muitos de nós, é mais velho do que isso, tanto que lançou sua empresa
usando o telefone e o catálogo.
Seu sucesso foi resultado não da
Internet, mas do modelo econômico que adotou, direto ao consumidor e do consumidor de volta à empresa. Ele já fazia marketing direto, da empresa para cada consumidor, antes de a Internet facilitar essa tarefa.
O importante não é a tecnologia da Internet nem a própria Internet, mas a abertura que ela
nos oferece a novas idéias, novas
pessoas, novos mercados, novos
conceitos.
O que fez a economia norte-americana funcionar não foi a
presença da Internet, mas a disposição das empresas em utilizá-la sem pedir autorização a ninguém.
As empresas nos EUA não esperaram os contratos digitais ganhar validade legal, mas simplesmente se basearam no fato de
que os consumidores confiam em
nomes de marca. Todo o mundo
sabe que, se a Amazon.com começasse a decepcionar seus clientes, não demoraria a perder sua
reputação -e suas ações perderiam valor. Essa é uma garantia
muito melhor de desempenho do
que leis ou regulamentos de qualquer tipo.
Hoje, embora a Europa esteja
estudando com afinco como conceder a seus empreendedores a
"autorização" de usar a rede
(com leis e regulamentos específicos para esse fim), ela mal reconhece a existência deles. E eles,
por sua parte, ainda são em menor número do que deveriam. A
maioria ainda está, de fato,
aguardando a "autorização".
Eles têm poucos modelos europeus a seguir, já que, quando
lêem sobre a Internet, boa parte
da cobertura da imprensa é voltada aos empreendedores americanos.
Por alguma razão os empreendedores americanos são aceitos,
mas os europeus são vistos como
sendo de alguma maneira causadores de confusão, incertezas.
Não estudaram nas faculdades
mais bem cotadas, não abriram
caminho até o topo com humildade, passando por todas as etapas tradicionais.
Mas a verdade é que este é o
ano em que os empreendedores
da Europa e de outros continentes estão descobrindo a Internet,
longe de Davos. A garotada não
está esperando "autorização" para começar a encontrar um público aberto a suas propostas.
Enquanto a geração mais velha
debate as crescentes restrições
impostas pela França à semana
de trabalho ou à liberalização do
horário comercial na Alemanha,
os jovens estão passando por cima dessas regras. Estão oferecendo sistemas para receber avisos
pelo celular (Seu vôo está atrasado? Triiim, triiim!), comparações
on line entre os preços de diferentes lojas físicas, livros, CDs, leilões
e os mesmos tipos de bem e serviço disponíveis nos EUA.
Para que assinatura digital
quando você tem um cartão de
crédito? Para que cartão de crédito se você pode digitar um número e fazer com que sua compra seja cobrada na conta telefônica de
seu celular? Quem se importa
com as restrições impostas pelos
governos à divulgação dos resultados de sondagens eleitorais,
quando estas podem ser divulgadas em sites hospedados em outros países?
Enquanto comissões governamentais tentam definir e harmonizar as regras para a nova economia, os empreendedores já estão construindo a nova economia. O mercado saberá o que fazer com aqueles cujo desempenho
for fraco. E, a longo prazo, os governos vão encarregar-se de punir os vigaristas.
A longo prazo, a geração jovem
vai esperar que os governos tornem obrigatória a implementação de contratos, do mesmo modo que a Rússia hoje anseia por
um sistema judiciário honesto e
contratos que possam ser implementados.
Brinquedo e ferramenta
A queda do Muro de Berlim e de
tudo que ela significou trouxe
grande liberdade à Europa Central e ao Leste Europeu, mas também grandes reviravoltas. Uma
nova economia emergiu, mas foram destruídos hábitos e padrões
consolidados, empresas antigas e
até mesmo vidas de algumas pessoas. Nem todo o mundo apreciou as novas liberdades.
Acho que a Internet vai fazer
que um furacão comparável à
queda do Muro de Berlim atravesse a Europa Ocidental e outros
continentes. Como a Dell, os EUA
estavam prontos para receber a
Internet antes mesmo de a Internet existir. Sua economia já era
eficiente, sua população já era receptiva às mudanças e aos experimentos.
Os preços nos EUA são determinados pelo mercado, mas, na Europa, com as restrições impostas
ao setor varejista, a determinação
dos preços muitas vezes é uma
questão moral e/ou legal.
Nos EUA, a Internet é um brinquedo dos consumidores e uma
ferramenta para as empresas. Em
boa parte do mundo, é uma nova
abordagem de tudo.
Esther Dyson edita o boletim informativo de tecnologia "Release 1.0", é autora do best seller "Release 2.0" e preside o Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers).
E-mail: edyson@edventure.com.
Tradução de Clara Allain.
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