São Paulo, quarta-feira, 08 de março de 2000


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ESTHER DYSON

Release 3.0: as minorias em Davos

Este foi o ano em que Davos descobriu a Internet. Os líderes empresariais e governamentais que participaram do encontro anual de Davos neste ano estavam cheios de satisfação, além de certa dose de orgulho. Finalmente, eles também iriam participar do milagre que vem movendo a economia dos EUA -e seu mercado acionário.
Não faltaram grupos de discussão sobre a Internet, abrangendo desde modelos econômicos até a discussão de como lucrar com o entretenimento na rede mundial.
Entre os principais oradores estavam Steve Case, Bill Gates e Michael Dell -ou seja, a Internet estava por toda parte.
O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, falou sobre a Internet em seu discurso sobre as linhas mestras do desenvolvimento e admitiu, em meio a risadas generalizadas, ser novato. Bill Clinton apontou, com orgulho, para o papel dos EUA no desenvolvimento da rede.
No entanto a experiência me deixou o sentimento preocupante de que eles não estão entendendo o mais importante.
E isso se aplica não a Davos e à Europa. Diz respeito ao establishment e, especialmente, ao establishment não-americano, do qual Davos é mero porta-voz.

Sem esforços
Os organizadores de Davos -formalmente, o Fórum Econômico Mundial- não mediram esforços para convidar empreendedores de todo tipo na Internet e tinham conseguido atrair desde Pierre Omidyar, fundador da eBay, até Halsey Minor, da Cnet, passando por Jay Walker, da Priceline.com e até mesmo Dave Winer, um empreendedor que ainda não ganhou US$ 1 bilhão, mas cuja voz e cujo site (DaveNet) são muito conhecidos em todo o Vale do Silício.
Mas onde estavam os empreendedores europeus? Os sujeitos do quintal de Davos, como Martha Lane Fox, da lastminute.com, Tim Jackson, da QXL, ou Josi Herrero, da LaNetro.com? Um ou dois deles estavam presentes, mas a maioria foi relegada aos programas que geram os subsídios para o fórum e não participou das conferências de mais destaque.
Entre outros, estavam Ola Ahlvarsson, da Boxman (a maior loja varejista on line da Europa, especializada em CDs) e da Result Ventures, Martin Varsavsky, da Jazztel, e Stefan Roever, da Brokat, especialista em software para bancos e segurança.
Acredito que os participantes em Davos não entenderam que a nova economia não diz respeito à Internet, e sim, antes de mais nada, a pessoas e modelos econômicos.
Ao apresentar Michael Dell, um dos organizadores do fórum, Klaus Schwab, cometeu um deslize com o qual se traiu, dizendo que Michael Dell iniciou sua empresa no quarto que ocupava na universidade, usando a Internet.
Acontece que Dell, como muitos de nós, é mais velho do que isso, tanto que lançou sua empresa usando o telefone e o catálogo.
Seu sucesso foi resultado não da Internet, mas do modelo econômico que adotou, direto ao consumidor e do consumidor de volta à empresa. Ele já fazia marketing direto, da empresa para cada consumidor, antes de a Internet facilitar essa tarefa.
O importante não é a tecnologia da Internet nem a própria Internet, mas a abertura que ela nos oferece a novas idéias, novas pessoas, novos mercados, novos conceitos.
O que fez a economia norte-americana funcionar não foi a presença da Internet, mas a disposição das empresas em utilizá-la sem pedir autorização a ninguém.
As empresas nos EUA não esperaram os contratos digitais ganhar validade legal, mas simplesmente se basearam no fato de que os consumidores confiam em nomes de marca. Todo o mundo sabe que, se a Amazon.com começasse a decepcionar seus clientes, não demoraria a perder sua reputação -e suas ações perderiam valor. Essa é uma garantia muito melhor de desempenho do que leis ou regulamentos de qualquer tipo.
Hoje, embora a Europa esteja estudando com afinco como conceder a seus empreendedores a "autorização" de usar a rede (com leis e regulamentos específicos para esse fim), ela mal reconhece a existência deles. E eles, por sua parte, ainda são em menor número do que deveriam. A maioria ainda está, de fato, aguardando a "autorização".
Eles têm poucos modelos europeus a seguir, já que, quando lêem sobre a Internet, boa parte da cobertura da imprensa é voltada aos empreendedores americanos.
Por alguma razão os empreendedores americanos são aceitos, mas os europeus são vistos como sendo de alguma maneira causadores de confusão, incertezas. Não estudaram nas faculdades mais bem cotadas, não abriram caminho até o topo com humildade, passando por todas as etapas tradicionais.
Mas a verdade é que este é o ano em que os empreendedores da Europa e de outros continentes estão descobrindo a Internet, longe de Davos. A garotada não está esperando "autorização" para começar a encontrar um público aberto a suas propostas.
Enquanto a geração mais velha debate as crescentes restrições impostas pela França à semana de trabalho ou à liberalização do horário comercial na Alemanha, os jovens estão passando por cima dessas regras. Estão oferecendo sistemas para receber avisos pelo celular (Seu vôo está atrasado? Triiim, triiim!), comparações on line entre os preços de diferentes lojas físicas, livros, CDs, leilões e os mesmos tipos de bem e serviço disponíveis nos EUA.
Para que assinatura digital quando você tem um cartão de crédito? Para que cartão de crédito se você pode digitar um número e fazer com que sua compra seja cobrada na conta telefônica de seu celular? Quem se importa com as restrições impostas pelos governos à divulgação dos resultados de sondagens eleitorais, quando estas podem ser divulgadas em sites hospedados em outros países?
Enquanto comissões governamentais tentam definir e harmonizar as regras para a nova economia, os empreendedores já estão construindo a nova economia. O mercado saberá o que fazer com aqueles cujo desempenho for fraco. E, a longo prazo, os governos vão encarregar-se de punir os vigaristas.
A longo prazo, a geração jovem vai esperar que os governos tornem obrigatória a implementação de contratos, do mesmo modo que a Rússia hoje anseia por um sistema judiciário honesto e contratos que possam ser implementados.

Brinquedo e ferramenta
A queda do Muro de Berlim e de tudo que ela significou trouxe grande liberdade à Europa Central e ao Leste Europeu, mas também grandes reviravoltas. Uma nova economia emergiu, mas foram destruídos hábitos e padrões consolidados, empresas antigas e até mesmo vidas de algumas pessoas. Nem todo o mundo apreciou as novas liberdades.
Acho que a Internet vai fazer que um furacão comparável à queda do Muro de Berlim atravesse a Europa Ocidental e outros continentes. Como a Dell, os EUA estavam prontos para receber a Internet antes mesmo de a Internet existir. Sua economia já era eficiente, sua população já era receptiva às mudanças e aos experimentos.
Os preços nos EUA são determinados pelo mercado, mas, na Europa, com as restrições impostas ao setor varejista, a determinação dos preços muitas vezes é uma questão moral e/ou legal.
Nos EUA, a Internet é um brinquedo dos consumidores e uma ferramenta para as empresas. Em boa parte do mundo, é uma nova abordagem de tudo.


Esther Dyson edita o boletim informativo de tecnologia "Release 1.0", é autora do best seller "Release 2.0" e preside o Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers).
E-mail: edyson@edventure.com.

Tradução de Clara Allain.


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