São Paulo, quarta-feira, 28 de julho de 2004

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COMPORTAMENTO

Saiba manter a classe ao rejeitar ou ser rejeitado no site; internautas sentem culpa ao renegar "amigos"

Especialistas dão dicas de "orkutiqueta"

LUÍS PEREZ
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Eis que em sua página no Orkut você recebe um convite para se tornar amigo de uma pessoa que nem é assim tão chegada. É o caso de recusar? Como fazê-lo? E quando ocorre o inverso -alguém bate na sua cara a porta do seu círculo de amizades virtual?
Especialistas em regras de convivência deram dicas de "orkutiqueta", explicando como se livrar dessas "saias justas".
O Orkut (www.orkut.com) está transformando os relacionamentos, assim como o e-mail e as salas de bate-papo resgataram o hábito da escrita e criaram novos códigos, mas ainda valem algumas regrinhas básicas do mundo real.
De acordo com a especialista em etiqueta Claudia Matarazzo, 45, o nível de relacionamento para aceitar ser amigo orkutiano começa ao se definir que, caso aquela pessoa partilhe de sua amizade, você não vai se sentir invadido.
"Ela não precisa ser necessariamente íntima, mas alguém que, por exemplo, se precisasse passar uma tarde ou uma noite em sua casa, não o faria se sentir desconfortável", afirma a autora, entre outros, do livro "net.com.classe". Segundo ela, é preciso ter a impressão de que a convivência pode ser boa.
Supondo que ocorra um encontro com o "rejeitado" em algum lugar e que, em tom irônico, ele tente tirar satisfações por tê-lo eliminado da lista, sempre é possível, segundo Matarazzo, usar como desculpa que o grupo ao qual você pertence não corresponde ao que ele iria curtir. "Claro que não vai colar, mas quem mandou a pessoa cobrar? Ela deveria se mancar e não cobrar nada."
Nem tudo, porém, precisa ser adaptado do mundo real. "Essa é a vantagem da internet. A vida virtual deveria ter a vantagem de nos proporcionar uma escolha mais livre e descompromissada das relações e das formalidades", opina Gloria Kalil, 58, consultora de moda e autora do livro "Chic". Aconselha: "Relacione-se só com quem você quiser".
Para ela, no entanto, o Orkut é uma boa oportunidade de se livrar de preconceitos em relação a algumas pessoas -já que há campos para indicar preferência por músicas, livros, filmes e culinária, por exemplo. "É uma oportunidade de conhecer melhor esses "conhecidos"."
Para as especialistas em etiqueta, o Orkut, assim como outras ferramentas e situações da rede, pode servir para que as pessoas façam coisas que pessoalmente não teriam coragem de fazer.
Em relação aos que afirmam que o Orkut é uma "panelinha virtual", pois só pode ingressar no site quem é convidado por um membro, Claudia Matarazzo tem uma opinião que se estende à internet como um todo: "Essa conversa de que a rede é democrática é pura bobagem. É tão segmentada e cheia de regras quanto o mundo real".
Para saber a reação das pessoas sobre rejeitar e serem rejeitadas, a reportagem enviou (via Orkut, é claro) pedidos para que os membros do site contassem histórias e "saias justas" curiosas. Os que responderam terão a sua identidade preservada.
"Tenho uma banda e muita gente me cadastra porque tem um disco nosso ou algo assim. Para ser simpático, adiciono as pessoas à minha lista. Não conheço todos", diz um músico.
Seguindo a linha "não levo o Orkut tão a sério", outro internauta respondeu: "Sou um cavalheiro. Logo há vários desconhecidos na minha lista, que aceitei porque pediram. Tanto faz".
Há quem passe por certos problemas existenciais. "Rejeito semanalmente umas dez pessoas. Depois, sinto-me culpada", diz uma freqüentadora da comunidade. Outra também confessa: "Já aceitei uma menina que nunca vi na frente por simples educação".
Como dica para pessoas que ficam com essa dúvida, Claudia Matarazzo sugere pensar bem antes de rejeitar o candidato a "amigo". "Que tal esperar um tempo antes de tomar a decisão? Ou então trate de se livrar de vez do sentimento de culpa."
Em tempo: quem é rejeitado não fica sabendo. Simplesmente tem o nome da pessoa que o preteriu eliminado da própria lista.
Uma das entrevistadas rejeitou três vezes alguém que insistia em cadastrá-la como amiga. Até que, quando entrou em seu perfil (no Orkut, há campos para preencher preferências pessoais, dados profissionais e até álbum de fotos), descobriu que era um velho colega de trabalho a quem só conhecia por um apelido estranho.
Orkutiana há duas semanas, a psicóloga Maria Emília Benévolo Fernandes, 25, está encantada com a possibilidade de achar amigos que não via desde a infância.
"Você acredita que encontrei um menino que estudou comigo na terceira série do primário, quando tínhamos dez anos? Ele é do Rio [onde ela nasceu] e também está morando aqui. Combinamos de nos encontrar", conta Fernandes, que já rejeitou vários candidatos a amigos que tentaram abordá-la simplesmente por a acharem atraente nas fotos.
Uma publicitária que não quer ser identificada diz ser muito seletiva. "Contei 34 pessoas que me pediram autorização, mas, como eu nunca as havia visto na vida, não autorizei sua entrada. No meu Orkut, só entra quem é amigo mesmo", sentencia.

Dizer sim ou não
Outra peculiaridade é que, no Orkut, a amizade não acontece naturalmente, aos poucos. Depende de um derradeiro clique de aprovação -diferentemente do que ocorre na vida real.
"Acho que não dá para dizer não a um pedido de amizade. Sugiro que aceite o amigo e, depois, se quiser, sempre há a opção de não alimentar a amizade. Isso acontece na vida real", diz Celia Ribeiro, 75, escritora gaúcha, também especialista em etiqueta.
A possibilidade de encontrar características em comum ajuda na aproximação. "Procuro gente com afinidades, que goste de jipes e off-road e que seja da mesma faixa etária", diz o comerciante Fernando Krieger, 32.
Ele diz nunca ter sido rejeitado. "Mas, se isso acontecesse, eu entenderia perfeitamente, pois o Orkut nos dá esse direito. É preciso aprender a lidar com frustrações. Além disso, nossas informações pessoais e até a lista de amigos acabam sendo uma espécie de cartão de visitas."
"Orkut é coisa para gente quase grande, que sabe dizer "não". Se você não consegue, talvez seja melhor ficar fora dessa para não se enrolar", sentencia Claudia Matarazzo. "A verdade é que a gente age na vida virtual do mesmo modo que na real. Não conseguimos dizer "não" e depois ficamos atormentados, sem saber o que fazer", rebate Gloria Kalil.
Ela sugere a quem gasta muito tempo navegando pelo Orkut repleto de amigos com os quais quase não interage no dia-a-dia: "Escreva um lindo textinho explicando que vai se despedir deles, pois não consegue tempo para se comunicar com todos. Desculpas, beijinhos e bye-bye".


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