São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 2000


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EUA
Gestor diz que norte-americanos não se abalam com a decisão do Fed e continuam perseguindo ganhos nas Bolsas

Mais agressivo, aplicador ignora juro alto

FÁBIO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

O comportamento do investidor norte-americano vem mudando nos últimos dez anos: ele tem trocado de aplicação com mais frequência, investe em ações cujo real valor econômico não consegue medir e presta mais atenção à rentabilidade passada do que aos fundamentos.
"O investidor médio dos Estados Unidos vem se tornando cada vez mais agressivo", diz Gus Sauter, 45, o principal gestor da área de ações do Vanguard Group, segunda maior administradora de fundos de investimentos dos Estados Unidos.
O Vanguard tem 14 milhões de clientes e administra nada menos que US$ 550 bilhões, dos quais aproximadamente US$ 370 bilhões estão aplicados nas Bolsas norte-americanas.
Para Sauter, o pequeno investidor norte-americano aprendeu uma lição nos últimos anos: é quando o mercado desaba que surgem as oportunidades de investir. "Eles aprenderam o conceito de comprar na baixa", explica.
A Folha ouviu três investidores norte-americanos, que relataram como estão atravessando a recente turbulência do mercado acionário (leia textos abaixo). Na estratégia dos três, há em comum o fato de não incluírem aplicações de renda fixa nas suas carteiras de longo prazo.
"A elevação da taxa de juros, anunciada pelo Fed (banco central dos Estados Unidos) na semana passada, foi ignorada em grande parte pelos investidores", explica Sauter.
Para ele, somente quando o aumento da taxa de juros afetar o ritmo de crescimento da economia norte-americana é que os investidores vão se preocupar.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - Que impacto o último aumento de 0,5% da taxa de juros terá no mercado de ações dos Estados Unidos?
Gus Sauter -
O mercado teve uma reação muito boa ao anúncio da elevação dos juros hoje (terça-feira da semana passada). A maior parte dos investidores já havia antecipado esse aumento de 0,5%. Por isso o sentimento de calma foi a reação inicial.

Folha - A volatilidade vai continuar forte até o final deste ano?
Sauter -
Sim. Essa volatilidade está sendo causada pelos altos níveis de "valuation" (valor econômico estimado pelos investidores para uma determinada ação) observados no nosso mercado. Os índices P/L (relação preço/lucro) das ações também estão elevados, e qualquer pequeno choque externo no sistema pode resultar em grande volatilidade.

Folha - O anúncio pelo Fed, o banco central norte-americano, do aumento da taxa de juros pode ajudar a reduzir a volatilidade?
Sauter -
Parte da volatilidade registrada no mercado foi motivada pela expectativa da elevação dos juros, mas os juros são apenas um exemplo de um choque externo.
Há vários tipos de choque que atingem o mercado semanalmente e qualquer um deles pode criar o mesmo grau de volatilidade que a expectativa de juros gerou. Se os níveis de "valuation" não estivessem tão elevados, esses choques externos não teriam tanto impacto no mercado de ações.

Folha - O comportamento do investidor mudou com a maior turbulência nas Bolsas?
Sauter -
Temos visto o comportamento do investidor se dando em duas formas diferentes. Na Vanguard, administramos fundos de maneira passiva (os fundos de índice, por exemplo) e ativa. Nas carteiras passivas, observamos que a captação líquida continua, embora num ritmo menor do que nos anos anteriores. Mas, o que é interessante, nos dias em que a Bolsa cai fortemente (como aconteceu em abril), temos registrado grandes depósitos.
No dia 14 de abril, por exemplo, quando o mercado teve a maior queda no mês, tivemos uma captação líquida de US$ 300 milhões. Parece-me que os investidores desse tipo de fundo não estão nem um pouco abalados pela volatilidade e estão tendo uma visão de longo prazo em relação às suas aplicações. Por outro lado, em outros segmentos do setor, os investidores fizeram resgates, resultando em captação negativa.

Folha - E os pequenos investidores? Eles ainda estão com seu dinheiro aplicado em Bolsa?
Sauter -
Ainda há uma parcela dos investidores que continua a pôr dinheiro no mercado de ações. A nossa experiência nos últimos 15 anos é que, toda vez em que as cotações caem, o mercado se recupera rapidamente. Então, muitos investidores adotaram o conceito de que as quedas nos preços das ações são, na realidade, oportunidades de compra. Chamamos esse movimento dos investidores de "comprando na baixa".

Folha - Inclusive o pequeno investidor?
Sauter -
Alguns deles se assustaram com a volatilidade e se retiraram, mas há muitos investidores de varejo que adotaram a filosofia de "comprando na baixa".

Folha - Com a taxa de juros norte-americana no nível mais alto em 9 anos, poderá haver uma migração do dinheiro investido em Bolsa para aplicações de renda fixa?
Sauter -
Certamente, com taxas de juros mais elevadas, os papéis de renda fixa ficam cada vez mais atraentes. Mas, neste momento, ainda não observamos uma migração de recursos. Os instrumentos de renda fixa não estão captando o mesmo volume que as aplicações em ações.

Folha - Isso poderá acontecer em caso de novo aumento dos juros?
Sauter -
Apenas se o mercado acionário reagir ao aumento numa forma extremamente negativa. Até hoje, mesmo com as recentes quedas das cotações, os investidores não estão apavorados com a turbulência.
Há, provavelmente, um nível de queda nos preços que deixaria os investidores bastante nervosos e eles, certamente, sacariam seus recursos. Não sei qual é esse nível, mas ainda não chegamos a esse ponto.

Folha - Como a alta dos juros poderá afetar o investidor médio norte-americano?
Sauter -
Até agora, os investidores vêm, em grande parte, ignorando esses movimentos com os juros. Este (o da semana passada) foi o sexto aumento que tivemos em pouco mais de um ano. Os investidores têm aplicado em ações e não têm colocado quantias substanciais no mercado de renda fixa. Eles têm ignorado os aumentos nos juros porque a nossa economia continua extraordinariamente forte. Até que a economia venha a reagir a esses aumentos, continuaremos a ver os investidores privilegiando o mercado acionário.

Folha - Qual tem sido a estratégia da Vanguard na gestão dos recursos dos clientes que aplicam em Bolsa?
Sauter -
Deixamos os nossos fundos de ações completamente investidos em Bolsa durante todos os momentos. Não achamos que temos a habilidade para predizer quando o mercado vai cair. E os nossos clientes de fundos de ações aplicam conosco na expectativa de que seu dinheiro estará com exposição à Bolsa.

Folha - Como o senhor acha que vai ser o desempenho da Bolsa neste ano?
Sauter -
Não costumamos fazer previsões de curto prazo. Acreditamos que a volatilidade continuará. Achamos que, num período de cinco ou dez anos, o retorno do mercado acionário dos Estados Unidos será muito menor do que o retorno visto nos últimos 15 anos.

Folha - O apetite do investidor por ações de tecnologia diminuiu em razão da recente turbulência?
Sauter -
No momento, a demanda por essas ações diminuiu um pouco. Acho que novas quedas nos preços das ações do setor de tecnologia talvez abalem um pouco mais a fé do investidor nesses papéis. Mas, até agora, boa parte dos investidores está disposta a conviver com a queda observada nas ações. Ainda há uma grande expectativa entre os investidores de que as ações de tecnologia sejam as opções para investir no futuro, apesar dos elevados níveis de "valuation" que carregam esses papéis.

Folha - Qual será o setor ou ação que atrairá a atenção do investidor como a próxima grande tacada?
Sauter -
É, provavelmente, a previsão mais difícil de fazer. Achamos que o retorno das ações do setor de tecnologia será menor, pelo menos a médio prazo. Não sei qual o segmento de mercado que será um sucesso, mas acredito que o investidor deveria estar exposto a todo o mercado acionário.

Folha - Quando o mercado desaba, o noticiário é negativo e o pânico se instala, os investidores costumam fugir em massa. Quando a Bolsa sobe e as notícias são encorajadoras, eles correm para o mercado acionário. Como o investidor pode evitar essa mentalidade de agir como fosse parte de um rebanho?
Sauter -
É muito difícil evitar esse comportamento. Há uma área nas finanças, que vem se desenvolvendo nos últimos dez anos, chamada de "finança comportamental". Essa área tenta explicar justamente isso - os investidores agem em massa, e há ocasiões em que tomam decisões sem o devido cuidado e de uma forma até irracional. Não sei como resolver isso. É uma questão de mudar o comportamento humano. E boa parte do nosso comportamento é uma reação a lições do passado.
O que estamos vendo agora no nosso mercado é que, com o fenômeno "comprar na baixa", muitos investidores aprenderam a lição de que o mercado se recupera rapidamente depois de uma queda. Acredito que possamos entrar numa era em que, em alguns momentos, o mercado não se recupere automaticamente ou fique estagnado por algum tempo. Talvez isso mude o comportamento de alguns investidores, especialmente aqueles que investem em ações de tecnologia, que viraram uma verdadeira mania.

Folha - Os investidores norte-americanos estão mais agressivos ou conservadores em relação ao que eram?
Sauter -
Eles vêm se tornando cada vez mais agressivos nos últimos dez anos. Há hoje muito mais americanos investindo em Bolsa do que em qualquer período do passado. Eles também estão movimentando o dinheiro muito mais rapidamente. Antes, o investidor médio norte-americano permanecia num fundo mútuo durante dez anos. Agora, ele está resgatando seu dinheiro do fundo em dois anos e meio. O dinheiro está se movimentando pelo mercado com maior rapidez em busca da rentabilidade passada. Daí estarmos observando um comportamento cada vez mais agressivo dos investidores de ações.


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