São Paulo, segunda, 10 de maio de 1999

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ARTIGO
Educação: sem competição não pode haver solução

CLAUDIO HADDAD

Ao chegarmos ao fim deste século e olharmos para trás, veremos que, nos últimos 20 anos, a renda per capita brasileira terá crescido 0,6% ao ano. Continuando nesse ritmo, necessitaríamos de mais 96 anos para dobrá-la a partir do nível existente em 1980.
Esse desempenho medíocre, que contrasta com o dinamismo verificado nos primeiros quatro quintos do século, pode ser explicado por vários fatores.
Dois deles são os mais importantes e estão, como argumentarei a seguir, intimamente correlacionados: a baixa formação de capital humano e um deficiente sistema de incentivos e punições.
A tese de que capital humano é uma das condições necessárias para um crescimento sustentado já foi amplamente demonstrada em estudos. Além disso é lugar comum dizer que educação é a chave do crescimento brasileiro.
Só que muito pouco foi feito para melhorá-la. O Brasil apresenta os piores indicadores de educação básica entre os países mais relevantes da América Latina, cujos resultados já são bem inferiores aos do Sudeste Asiático.
E quando se inclui educação superior disputamos o último lugar com o México. Falta de recursos?
Não é o que mostram os dados. Gastos com educação consomem partes expressivas dos orçamentos nas três esferas de governo. Em educação superior, o governo gasta por aluno mais do que a maioria dos países desenvolvidos.
Como se gasta tanto para resultados tão medíocres? A explicação está em um deficiente sistema de incentivos, prevalecente, aliás, em outros setores da economia.
No Brasil, os incentivos e punições, em vez de terem operado na direção da promoção da eficiência e da produtividade, têm estimulado a procura por vantagens por meio do poder público.
Esse jogo perverso se manifestou de diversas formas: privilégios na Constituição de 88, empréstimos subsidiados de bancos oficiais, tarifas, proibitivas de importação, obras superfaturadas ou desnecessárias, ganhos extraordinários com políticas econômicas mal formuladas e assim por diante.
Embora racional, devido à relativa facilidade com que as vantagens eram e ainda são obtidas, esse jogo é o oposto do que se precisa para um crescimento econômico sustentado. Por outro lado, o sistema de punições, típico de uma economia de mercado, tampouco aqui funciona adequadamente.
Em geral, a ineficiência empresarial ganha sobrevidas, por reestruturações de dívidas com a participação de bancos oficiais e por uma cultura e um arcabouço legal que tendem a favorecer o devedor.
Em todos esses casos privilegia-se a esperteza à inteligência, a forma ao conteúdo, as tacadas ao trabalho persistente e o curto ao longo prazo.
Em educação temos um reflexo desse sistema. Cerca de 40% da educação superior é atendida pelo poder público, contra 60% pelo setor privado. Nesse último segmento, a falta de padrões efetivos de comparação, em parte pela falta de transparência entre programas, limitou a competição entre escolas.
Além disso, qual a necessidade de procurar mais qualidade, já que a maior parte do treinamento ainda é dada no local de trabalho, devido, muitas vezes, a um currículo acadêmico totalmente dissociado da realidade profissional?
Dessa forma, a maioria das entidades privadas virou fábrica de diplomas, pela simples razão de que o mercado em geral pouco as diferencia na hora do recrutamento.
Já no segmento público, tradicionalmente mais associado à qualidade de ensino, o problema é o mesmo da economia brasileira: o sistema perverso de premiação.
Devido à ausência de responsabilização individualizada, os incentivos à eficiência e à melhoria do ensino são praticamente inexistentes. Não é à toa que as universidades públicas brasileiras têm uma das maiores relações de professores e funcionários por aluno do mundo.
Sem metas de desempenho individualizadas e sem padrões de aferição e comparação, como exigir melhoria de qualidade ao longo do tempo?
É por isso que, apesar do enorme subsídio injustificável -estendido a seus alunos sob a forma de gratuidade-, é cada vez maior o número de estudantes que, podendo cursar a universidade pública, buscam alternativas no setor privado, no Brasil e no exterior.
O esforço desenvolvido pelo governo nos últimos anos de procurar criar instrumentos de mensuração da qualidade e da eficiência do ensino superior é muito positivo. Esse esforço deveria ter continuidade e ser ampliado, abrangendo mais cursos e quesitos. Ele deveria ser feito por órgãos isentos e independentes do setor privado, com total transparência.
Somente com um sistema de competição efetiva entre as escolas, dentro de um ambiente que premie a eficiência, teremos a melhoria no ensino superior, necessária para colocar o país em uma nova rota de crescimento sustentado. Sem competição não há solução.


Claudio Haddad é diretor-presidente do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais)




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