|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Educação: sem competição não pode haver solução
CLAUDIO HADDAD
Ao chegarmos ao fim deste século e olharmos para trás, veremos
que, nos últimos 20 anos, a renda
per capita brasileira terá crescido
0,6% ao ano. Continuando nesse
ritmo, necessitaríamos de mais 96
anos para dobrá-la a partir do nível
existente em 1980.
Esse desempenho medíocre, que
contrasta com o dinamismo verificado nos primeiros quatro quintos
do século, pode ser explicado por
vários fatores.
Dois deles são os mais importantes e estão, como argumentarei a
seguir, intimamente correlacionados: a baixa formação de capital
humano e um deficiente sistema
de incentivos e punições.
A tese de que capital humano é
uma das condições necessárias para um crescimento sustentado já
foi amplamente demonstrada em
estudos. Além disso é lugar comum dizer que educação é a chave
do crescimento brasileiro.
Só que muito pouco foi feito para
melhorá-la. O Brasil apresenta os
piores indicadores de educação
básica entre os países mais relevantes da América Latina, cujos resultados já são bem inferiores aos
do Sudeste Asiático.
E quando se inclui educação superior disputamos o último lugar
com o México. Falta de recursos?
Não é o que mostram os dados.
Gastos com educação consomem
partes expressivas dos orçamentos
nas três esferas de governo. Em
educação superior, o governo gasta por aluno mais do que a maioria
dos países desenvolvidos.
Como se gasta tanto para resultados tão medíocres? A explicação
está em um deficiente sistema de
incentivos, prevalecente, aliás, em
outros setores da economia.
No Brasil, os incentivos e punições, em vez de terem operado na
direção da promoção da eficiência
e da produtividade, têm estimulado a procura por vantagens por
meio do poder público.
Esse jogo perverso se manifestou
de diversas formas: privilégios na
Constituição de 88, empréstimos
subsidiados de bancos oficiais, tarifas, proibitivas de importação,
obras superfaturadas ou desnecessárias, ganhos extraordinários
com políticas econômicas mal
formuladas
e assim por
diante.
Embora
racional,
devido à relativa facilidade com
que as vantagens eram
e ainda são
obtidas, esse jogo é o
oposto do
que se precisa para
um crescimento econômico
sustentado. Por outro lado, o sistema de punições, típico de uma economia de mercado, tampouco aqui
funciona adequadamente.
Em geral, a ineficiência empresarial ganha sobrevidas, por reestruturações de dívidas com a participação de bancos oficiais e por uma
cultura e um arcabouço legal que
tendem a favorecer o devedor.
Em todos esses casos privilegia-se a esperteza à inteligência, a forma ao conteúdo, as tacadas ao trabalho persistente e o curto ao longo prazo.
Em educação temos um reflexo
desse sistema. Cerca de 40% da
educação superior é atendida pelo
poder público, contra 60% pelo setor privado. Nesse último segmento, a falta de padrões efetivos de
comparação, em parte pela falta de
transparência entre programas, limitou a competição entre escolas.
Além disso, qual a necessidade
de procurar mais qualidade, já que
a maior parte do treinamento ainda é dada no local de trabalho, devido, muitas vezes, a um currículo
acadêmico totalmente dissociado
da realidade profissional?
Dessa forma, a maioria das entidades privadas virou fábrica de diplomas, pela simples razão de que
o mercado em geral pouco as diferencia na hora do recrutamento.
Já no segmento público, tradicionalmente mais associado à qualidade de ensino, o problema é o
mesmo da economia brasileira: o
sistema perverso de premiação.
Devido à ausência de responsabilização individualizada, os incentivos à eficiência e à melhoria
do ensino são praticamente inexistentes. Não é à toa que as universidades públicas brasileiras têm uma
das maiores relações de professores e funcionários por aluno do
mundo.
Sem metas de desempenho individualizadas e sem padrões de aferição e comparação, como exigir
melhoria de qualidade ao longo do
tempo?
É por isso que, apesar do enorme
subsídio injustificável -estendido
a seus alunos sob a forma de gratuidade-, é cada vez maior o número de estudantes que, podendo
cursar a universidade pública, buscam alternativas no setor privado,
no Brasil e no exterior.
O esforço desenvolvido pelo governo nos últimos anos de procurar criar instrumentos de mensuração da qualidade e da eficiência
do ensino superior é muito positivo. Esse esforço deveria ter continuidade e ser ampliado, abrangendo mais cursos e quesitos. Ele deveria ser feito por órgãos isentos e
independentes do setor privado,
com total transparência.
Somente com um sistema de
competição efetiva entre as escolas, dentro de um ambiente que
premie a eficiência, teremos a melhoria no ensino superior, necessária para colocar o país em uma nova rota de crescimento sustentado.
Sem competição não há solução.
Claudio Haddad é diretor-presidente do Ibmec
(Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|