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Notícia urgente
Diretor da "Nouvel Observateur", umas das mais prestigiosas revistas da Europa, Jean Daniel fala da amizade com Albert
Camus e diz que a crise levou o jornalismo a perder seus paradigmas
A capacidade
que o
jornalista
tem de
fazer o mal é
devastadora
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JUAN CRUZ
A sala de trabalho de
Jean Daniel é repleta de fotos, e entre
todas se destacam
as que guarda de
seu mestre, Albert Camus, que
não apenas é seu conterrâneo
como também uma fonte constante de inspiração.
Daniel dedicou um livro a
ele, que está saindo agora em
espanhol: "Camus na Contracorrente", uma homenagem ao
jornalista e intelectual que foi
Nobel de Literatura e, ao mesmo tempo, um livro de estilo
para o exercício do jornalismo.
No livro há uma imagem -da
qual não há fotos- em que se
vê Camus entrando numa boate com seus colegas do jornal
"Combat", que fazia a resistência à ocupação nazista de Paris.
Eles tinham feito uma boa edição nesse dia, e Camus estava
exultante. Ao entrar no bar, exclamou: "Vale a pena lutar por
uma profissão como esta!".
Jean Daniel tem uma trajetória longa como jornalista, talvez o mais influente da França
em alguns momentos, sobretudo como diretor e cabeça pensante da "Le Nouvel Observateur", uma revista elitista que
ele decidiu converter em periódico de grande tiragem sem reduzir sua ambição cultural.
Aos 88 anos, conserva todas
as suas faculdades alertas, escreve seus artigos, viaja, apresenta livros e vive em contato
permanente com a revista. E
com a realidade.
Atrás de sua cadeira está a
primeira página do "New York
Times" do último 5 de novembro; o diário o cita em sua primeira página como respeitado
esquerdista europeu que escreveu sobre "o épico glorioso de
Barack Obama", e Daniel está
feliz com esse recorte, que sublinhou.
E sobre aquela frase de Camus? Vale a pena lutar por este
ofício?
PERGUNTA - Como deve ser a relação do jornalista com o poder?
JEAN DANIEL - Os jornalistas estão entre o poder e a história. E
hão de saber como funciona o
poder, com a condição de que o
fascínio não caia na indulgência e na corrupção.
Respeitadas essas condições,
é muito interessante ver como
funciona um homem que detém todos os poderes.
Nesse momento é preciso
desconfiar de tudo, até do mínimo detalhe. É difícil julgar com
rigor e objetividade pessoas
que estão à sua frente.
Já me ofereceram de tudo:
uma casa no México, por exemplo. Na Tunísia, também quiseram ser muito amáveis comigo.
Mas a relação do poder com a
imprensa é um problema nos
dois sentidos. Já conheci épocas em que havia corrupção entre os jornalistas, mas conheci
períodos em que os jornalistas
eram acossados. Um homem
com poder é um homem que
esconde alguma coisa, e é preciso descobrir o que é.
É um equívoco pensar que
sempre há um crime. Existem
os dois excessos, e hoje existe o
excesso de transparência: não
se sabe que crime existe, mas é
preciso descobri-lo.
É verdade que um ditador esconde tudo, e nosso papel é descobrir o que ele esconde.
Mas já se passou dos limites:
quando levada ao extremo -ou
por virtude ou por vício-, a
transparência chega à violação
da vida privada. E há uma intromissão nova, a da fotografia
na vida íntima. Quando se ultrapassam os limites, chega-se
a aberrações.
Veja o que aconteceu agora
com Milan Kundera, o grande
romancista tcheco, acusado de
ter denunciado um companheiro. Ele tinha 21 anos na
época; agora tem 79.
Não havia provas. Os jornalistas foram a Praga e não encontraram provas. Mas saiu
uma manchete junto a uma
grande foto de Kundera: Kundera "teria sido"... E, com esse
verbo no futuro do pretérito,
mais a enorme foto e a manchete, Kundera passa a "ser".
O texto em si era honesto,
mas o leitor se atém apenas à
imagem e à força da condicional. Jornalismo é escrita, é texto. Mas naquela informação havia apenas a força da imagem, a
força do título e a força do tempo verbal. Talvez o jornalista
fosse honesto, mas veja só o resultado...
PERGUNTA - É o princípio da calúnia...
DANIEL - Sem dúvida, só que
hoje a calúnia se apoia nas novas tecnologias.
PERGUNTA - Na difusão de rumores...
DANIEL - Não é exatamente isso. Alguns anos atrás, sim, se
produzia a divulgação de rumores, um termo que começou
com Beaumarchais [1732-99,
autor da peça "O Barbeiro de
Sevilha"].
Mas hoje a novidade está na
apresentação das notícias. Você liga a televisão e vê um rosto.
O que essa pessoa fez? E depois
de ver o rosto, alguém diz: "Fulano foi acusado de...". Sem provas. Não é apenas a difusão do
rumor, é a força que se confere
à apresentação do rumor.
PERGUNTA - A internet é um instrumento que difunde rapidamente tudo o que toca.
DANIEL - Sim, possibilita a multiplicação do rumor.
PERGUNTA - Qual é sua posição sobre o futuro da imprensa a partir do
surgimento desse instrumento poderoso?
DANIEL - Se eu soubesse! Saber
isso seria muito importante para muitas pessoas, inclusive os
editores de revistas e jornais.
É verdade que existe uma crise da imprensa; é possível que
os jornais de hoje se tornem
complementos da internet. A
realidade será a internet. Essa é
uma possibilidade.
Já com o livro não vai acontecer o mesmo. Já ficou comprovado que as pessoas querem segurar um objeto como esse nas
mãos. Existe algo de mágico no
livro -a forma, as páginas.
PERGUNTA - Em que a internet contribui para o jornalismo?
DANIEL - Para os jornalistas, a
internet traz o gosto pela velocidade. A possibilidade de qualquer pessoa responder a qualquer pessoa. Ou o fato de que
todo mundo possa ser jornalista e, nesse caso, que os próprios
jornalistas deixem de acreditar
neles mesmos, porque são
questionados a todo momento.
Está se produzindo um descrédito na função do jornalista.
PERGUNTA - Que se preparou para
ser jornalista.
DANIEL - Todo esse itinerário
de preparação, que terminava
num estatuto de prestígio e autoridade do jornalista, está sendo destruído pela aparição repentina de alguém que encontra uma foto e a coloca na internet. E essa foto pode destruir
alguém.
Há vantagens, não para o jornalista, mas há vantagens. É o
sonho da opinião pública, pois
se abre uma possibilidade infinita de se expressar. Mas o que
eu dizia com relação ao perigo
que existe nessa situação é algo
que me preocupa.
PERGUNTA - Camus dizia que o jornalismo é a informação crítica. Talvez a velocidade possa mudar essa
definição de jornalismo.
DANIEL - Não é forçosamente
mau reagir diante das opiniões.
Além disso, essa velocidade
proporciona uma visão imediata do sentir popular. Nem tudo
é negativo. Pode-se saber instantaneamente se o que escrevemos desperta interesse.
Mas a verdade é que todo
mundo está com medo.
PERGUNTA - Em seu livro sobre Camus, leem-se quatro diretrizes que
resumem as obrigações de um jornalista: "Reconhecer o totalitarismo
e denunciá-lo. Não mentir e saber
admitir o que se ignora. Negar-se a
dominar. Negar-se sempre, sob
qualquer pretexto, a praticar qualquer tipo de despotismo, incluindo o
provisório". Quais são, para o sr., as
obrigações de um jornalista hoje?
DANIEL - A lista de Camus ainda
é válida. O que é preciso acrescentar a ela? Provavelmente a
capacidade de conhecer as novas armadilhas da tecnologia.
Quando Camus enumerou
essas obrigações, ainda não
existia a televisão. E o reinado
da imagem mudou tudo, incluindo a forma de escrever.
Imagine um romancista que
escrevesse um romance e em
cada parágrafo alguém lhe dissesse que seu nível de audiência
estava caindo ou subindo. Escrever em razão da reação imediata do leitor!
A grande inovação que intensificou os temores enunciados
por Camus é a simultaneidade,
a onipresença, o fato de que,
quando alguém fala, faltam segundos para que a Terra toda
saiba o que diz. Isso é algo extraordinário.
PERGUNTA - O sr. diz que a ameaça
à vida privada é o pior defeito do jornalismo atual.
DANIEL - Há muita gente que
pensa que a transparência é algo muito importante e que, se a
vida pública se misturou à vida
privada, o leitor tem o direito
de conhecê-la.
Há pessoas de alto nível que
pensam que, se [o premiê italiano, Silvio] Berlusconi mistura
sua vida pública com seus interesses privados, temos o direito
de conhecer detalhes desses fatos. Há pessoas que não são desonestas, mas que pensam dessa forma. E isso nos pode levar
muito longe.
PERGUNTA - Por isso o sr. diz que
um jornalista tem um poder injusto.
DANIEL - Naturalmente, muito
frequentemente é assim. A capacidade de fazer o mal que
tem o jornalista é devastadora.
Em um dia ou em uma hora se
pode desmontar uma reputação. É um poder terrível.
PERGUNTA - E como se pode limitar
esse poder sem chegar à censura?
DANIEL - É uma apreciação difícil, que depende, em primeiro
lugar, do diretor de Redação, do
redator-chefe, do chefe de departamento, da forma como se
concebe o periódico. Isso acontece dentro de quatro paredes;
não existe uma lei para isso.
PERGUNTA - Como Camus, o sr. adverte contra os furos de reportagem: é melhor averiguar do que publicar uma notícia que não é certa.
Não é preciso ser o primeiro.
DANIEL - É melhor ser o segundo, mas verídico, do que o primeiro, mas equivocado. Todo
mundo quer ser o primeiro. Na
época de Camus, havia um
grande assunto, a violência, e
ele queria aprofundar-se mais
nisso; a questão dos furos ficava
em segundo lugar.
Conversamos muitas vezes
sobre isso: quando acabará o
mal, como se reage a uma
agressão. Chega-se a imitar o
inimigo? Que futuro terá nossa
causa se empregarmos as mesmas armas que nossos inimigos? E o jornalista? É honesto
quando utiliza meios que considera inaceitáveis quando usados por outros?
Hoje temos perguntas semelhantes. O que fazemos com o
Irã? Temos que fazer como o
Irã para combater o Irã? A pergunta é se estamos condenados
ou não, hoje, a imitar os meios
empregados pelos inimigos.
Camus me interessou e continua a me interessar porque
sua grande preocupação tem a
ver com o modo como o jornalismo precisa enfrentar o grande tema de nossos tempos: a
violência.
Cada texto fundamental sobre o jornalismo deveria vir
acompanhado de uma filosofia
da violência.
PERGUNTA - O sr. diz que o jornalismo consiste em viver a história enquanto ela se faz. Como vê a história
se fazendo hoje?
DANIEL - Perdemos os instrumentos da previsão; essa é a
maior novidade. Não existe
ciência econômica, não há conhecimento analítico financeiro -todos erraram. Há dez
anos todos vêm errando. Perdemos os instrumentos de previsão e nos faltam paradigmas.
Lévi-Strauss me disse isso e
eu o escrevi: a ciência é importante, todo mundo se alegra
com isso, mas nada é verdadeiro porque o mundo se tornou
imprevisível. É o que ele dizia.
PERGUNTA - Inclusive com relação
a Obama?
DANIEL - Sobretudo com relação a Obama. Quem havia previsto Obama?
A íntegra desta entrevista saiu no "El País".
Tradução de Clara Allain.
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