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FOTOGRAFIA
A guerra de frente
Adriana Zehbrauskas/Folha Imagem
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O fotógrafo norte-americano James Nachtwey no Rio de Janeiro
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James Nachtwey, um dos principais fotojornalistas
do mundo, fala com exclusividade à Folha
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FERNANDO COSTA NETTO
Editor-chefe do NP
James Nachtwey, 49, provavelmente o maior fotojornalista do
planeta na atualidade, esteve no
Brasil e passou despercebido.
Sócio da consagrada agência
Magnum Photos, Nachtwey desembarcou no país na segunda semana de fevereiro e ficou entre
Rio e São Paulo fotografando futebol a convite do jornal francês "Le
Figaro". Além dele, outros 14 fotógrafos foram escalados para registrar imagens inusitadas do esporte
em 15 diferentes locações. O trabalho todo vai poder ser conhecido
em junho próximo, durante a Copa do Mundo da França.
Nachtwey nasceu em Nova
York, onde vive atualmente. Talvez seja o fotógrafo mais premiado
que se conhece. Enxergou o mundo por meio de uma câmera pela
primeira vez depois de completar
a Universidade de Ciência Política
e Artes, nos anos 70. De lá pra cá,
foi ganhando projeção internacional pela ousadia, elegância e olho
em registros que colocaram o
mundo a menos de um metro dos
horrores da guerra.
Sempre sozinho no trabalho de
campo, com duas câmeras fotográficas penduradas no ombro,
Nachtwey procura retratar a guerra com estética de arte. Detesta
comparações, mas fica clara a influência de Robert Capa, outro gênio da fotografia, sobre seu trabalho. Capa, coincidentemente um
dos fundadores da Magnum (leia
texto na pág. ao lado), perdeu a vida ao pisar numa mina na guerra
da Indochina em 1954. Morreu aos
41 anos e teve a vida transformada
quase numa lenda dentro do universo da fotografia.
Rio de Janeiro. Minutos antes de
deixar-se levar por um helicóptero
da Petrobrás, que a conduziria até
uma das plataformas de petróleo
da Bacia de Campos, onde iria registrar uma pelada de futebol, James Nachtwey falou à Folha.
Folha - Quantas guerras você já
cobriu?
James Nachtwey - Eu não tenho o número exato, mas em torno de 20 guerras.
Folha - Quando você começou a
fotografar?
Nachtwey - Comecei depois da
universidade, sozinho, em 1972 ou
1973. O primeiro trabalho que fiz
foi um ano mais tarde, em 1974,
como free-lance em Boston. Em
1976 consegui meu primeiro emprego num jornal do Novo México
(EUA). Eu continuo aprendendo e
mandando meu "portfolio" para
diversas publicações feitas por jovens fotógrafos.
Folha - Você lembra da sua primeira foto publicada?
Nachtwey - Sim, saiu estampada numa revista linda da Suíça
chamada "Camera".
Folha - Você já esteve em situações de perigo real nas guerras
que fotografou?
Nachtwey - Já fui ferido por minas três vezes e poderia ter morrido. Foram explosões que aconteceram a um metro de onde eu estava. Mas, pelo que já passei, poderia
ter sido bem pior, isso não é algo
que me desencoraje.
Folha - Faz parte do seu negócio?
Nachtwey - Acho que esse é o
meu trabalho...
Folha - Pela suas fotos, sempre
muito perto do objeto fotografado, a impressão que se tem é a de
que é preciso ser ágil para poder
avançar e recuar rapidamente.
Qual é exatamente o seu método
de trabalho?
Nachtwey - Prefiro trabalhar
com uma estrutura pequena, apenas com o equipamento indispensável, e sempre tento estar sozinho. Em campo, sigo o meu instinto. Mas quando você vai para uma
guerra, é indispensável fazer conexões com organizações locais para
ter uma possibilidade maior de
trabalhar, para poder atravessar linhas que dividem as milícias. Essa,
normalmente, é a hora mais perigosa, quando se está no meio da
zona neutra e ninguém sabe ao
certo quem é você. Mas cada situação é uma história diferente. Não
há um manual de como agir. Você
tem que ir lá, com um objetivo na
mente e tentar fazer contato com
as pessoas certas.
Folha - Quantas câmeras você
usa para trabalhar?
Nachtwey - Geralmente duas
câmeras. Eu não viajo com "malas" fotográficas e sim com uma
pequena bolsa. Carrego uma 50
mm e outras duas ou três lentes.
Não uso teleobjetivas. Prefiro estar
próximo da
minha foto para mostrar o
espaço real da
cena. Quando a
foto é feita com
uma teleobjetiva, há uma
compressão da
imagem, os detalhes na foto
estão comprimidos e se tem
uma impressão
irreal do espaço, uma sensação artificial.
Folha - Qual a
sua escola fotográfica?
Nachtwey -
Não gosto de
comparações,
mas Robert Capa estava sempre
muito perto do objeto que ele fotografava. Ele dizia que a foto não é
tão boa se você não estiver perto
suficiente para fazê-la. Tento seguir a mesma teoria.
Folha - Quantos prêmios você já
ganhou na sua carreira?
Nachtwey - Não fotografo para
ganhar prêmios, é uma consequência do meu trabalho. É claro
que ajuda profissionalmente, pesa
no julgamento dos editores e ajuda
a conseguir novos trabalhos. No
que diz respeito à alma, ao coração
e ao objetivo do trabalho, não é
importante.
Folha - Numa das últimas edições
do World Press Photo (concurso
anual de fotografia realizado em
Amsterdã), um fotógrafo sul-africano ganhou o prêmio máximo numa das categorias com uma imagem de um menino africano morrendo de fome cercado por um
urubu. Qual é a história desta foto?
Nachtwey - Kevin Carter era
meu amigo. Ele estava cobrindo a
população de famintos no sul do
Sudão, na África. A maioria dos
fotógrafos que querem fotografar
os povos famintos vão a campos de
refugiados da Cruz Vermelha, onde a população é levada para ser
alimentada. Kevin estava num
desses campos que vivem cercados
de lixo e de urubus, que estão em
todos os lugares. Eles são enormes
e muito comuns. Eu nunca ouvi falar que um urubu tenha comido
um cadáver humano. A foto do
menino faminto é muito mais simbólica que qualquer outra coisa.
Kevin usava uma teleobjetiva que
comprimiu a imagem, aproximando o urubu do garoto. A foto
teve o impacto desejado. Mas tenho certeza de que, se o urubu
ameaçasse o garoto, Kevin jogaria
uma pedra para salvar a vida. Infelizmente, depois de algum tempo,
Kevin se suicidou, foi um choque!
Folha - Um dia desses, uma revista publicou uma foto sua com um
menino negro e faminto no colo.
Onde era aquilo?
Nachtwey - Foi no Zaire. Muitas crianças no país são abandonadas pelos pais. Algumas vezes eles
morrem e as crianças ficam perdidas pelas estradas. Eu encontrei
aquele menino muito doente, numa condição horrível, com o corpo já frio, e eu o levei até um campo de ajuda humanitária. Mas não
é muito comum um fotojornalista
ajudar.
Folha - Qual a reação de uma
pessoa faminta e destruída na hora de ser fotografada?
Nachtwey - Não há reação. Não
acredito que essas estejam focando
alguma coisa com seus olhos ou
percebendo o que você está fazendo. Minha idéia é sensibilizar o
mundo, fazer publicidade para
tentar ajudar esses povos.
Folha - Numa situação extrema,
você salvaria uma pessoa ou faria
a foto dela morrendo?
Nachtwey - Se eu tivesse que escolher entre salvar uma pessoa ou
fazer uma grande foto, eu optaria
pelo ser humano. Não conheço nenhum fotógrafo que não fizesse essa escolha, não conheço ninguém
que virasse as costas para uma vida. Há uma grande polêmica em
torno desse tipo de trabalho que
retrata soldados e povos famintos.
Se houver alguém para salvar uma
pessoa, então eu me concentro no
trabalho. Mas se você for a única
chance de sobrevivência de alguém, não há escolha, já salvei
pessoas no Haiti, na Somália levei,
de carro, muita gente ferida até os
campos humanitários.
Folha - Você já achou que fosse
morrer?
Nachtwey - Várias vezes me encontrei em situações em que não
havia razão para sobreviver e por
pura sorte não morri. Muitas vezes
pensei que não fosse voltar para
casa. É um pensamento natural
que vem à cabeça da gente.
Folha - Você é casado?
Nachtwey -
Não, talvez por
essa razão. Não
me sinto preparado.
Folha - Qual o
sentimento de
algumas vezes
se aproximar
tanto da morte?
Nachtwey -
Eu me concentro na razão
que me levou a
estar naquela
situação e no
valor do meu
trabalho. Eu
tento acreditar
no trabalho.
Ficar perto de
uma situação
de risco, de perigo, é muitas vezes
inevitável. Eu tenho que lidar com
isso, é o meu trabalho. Fazendo
uma analogia, comparo o trabalho
de administração do medo numa
situação de risco ao de um maratonista que aprende a lidar com a dor
para seguir na competição.
Folha - Qual é a sua sugestão para o conflito envolvendo o Iraque?
Nachtwey - É muito difícil dizer, mas eu torço para que haja
uma solução diplomática.
Folha - Mas não é o que parece.
Nachtwey - Deve estar havendo
uma negociação por trás das câmeras.
Folha - Caso haja guerra, você irá
cobri-la?
Nachtwey - Não tenho nada
programado.
Folha - Saindo do Brasil, para onde você segue?
Nachtwey - Para o Oriente Médio.
Folha - Mas é lá que haveria o
conflito. Como você fotografaria
essa guerra?
Nachtwey - Deverá ser uma
guerra de mísseis, de bombardeio
de aviões sobre alvos iraquianos.
Se for dessa forma, infelizmente
muitos civis vão morrer por engano, será muito trágico. Se eu estiver certo no formato do conflito,
estar em Bagdá atrás dos resultados dos bombardeios é a melhor
forma para fotografar. Mas isso
depende muito do acesso que os
jornalistas vão ter em Bagdá.
Folha - Você admira o trabalho
de algum fotógrafo brasileiro?
Nachtwey - Sou amigo e grande
admirador de Sebastião Salgado.
Também gosto muito do trabalho
de Miguel Rio Branco, que é membro da agência Magnum. O trabalho de Miguel é sofisticado, vigoroso.
Folha - Alguém inspirou a sua
carreira fotográfica?
Nachtwey - Tive influência de
Eugene Smith. Robert Frank também me influenciou bastante e
gosto do trabalho do Don McCullin, de Larry Burrows, que é um
dos maiores fotógrafos que esteve
no Vietnã, um cara muito corajoso.
Folha - Todas as fotos do seu livro "Deeds of War" são em cor. Você prefere fotografar em cor?
Nachtwey - Não. "Deeds of
War" é um trabalho anterior a
1990. Depois disso, a maior parte
do meu trabalho é em preto-e-branco.
Folha - Que filmes que você usa?
Nachtwey - Tri-X e Kodachrome.
Folha - Você faz também outro
tipo de fotografia, como moda ou
esporte?
Nachtwey - Não. Faço muito
pouco além da fotografia documental. Mas já não dedico meu
tempo exclusivamente às guerras
como antes. Nos últimos dez anos
tenho investido em temas sociais,
violência contra a humanidade e
também em guerras.
Folha - Você faz muito dinheiro
com fotografia?
Nachtwey - O suficiente para
viver. Me considero um homem de
sorte por poder viver do meu trabalho. Todas as pessoas que conheço que vivem desse trabalho
não o fazem pelo dinheiro.
Folha - Que carro você dirige?
Nachtwey - Eu não dirijo mais.
Meu último carro foi um Fusca em
1980. Levo uma vida muito simples, moro num apartamento de
um quarto em Nova York.
Folha - O seu trabalho documental é tão estético que dá a impressão de que algumas vezes você arrumou a cena antes de registrá-la.
Nachtwey - Não, é fotografia
pura. Meu trabalho é o de reportar
o que acontece. Acredito que o poder da fotografia vem da realidade,
da verdade. A maioria das situações são tão poderosas que é muito
mais do que eu poderia imaginar
em fazer. Manipular a cena é um
sinal de perda de força.
Folha - Você tem um livro quase
pronto. Pode falar um pouco sobre
ele?
Nachtwey - Se chama "The Inferno" e vai ser publicado por uma
editora inglesa. Vai estar nas lojas
até o fim deste ano. São fotos de
guerra, violência e crimes contra a
humanidade. Todas em preto-e-branco.
Folha - É verdade que você está
escrevendo um roteiro de longa-metragem sobre sua vida?
Nachtwey - É verdade. É uma
história baseada na vida de um fotojornalista. Estou seguro de que é
uma grande história e estou seguro
de que poderia dar um bom filme.
Se as coisas caminharem no sentido certo, se as pessoas certas se interessarem, há uma boa chance de
dar certo. Mas é muito cedo para
falar sobre isso.
Folha - Qual é o seu filme de
guerra favorito?
Nachtwey - "Gritos do Silêncio". É o filme mais verdadeiro, o
retrato mais próximo da vida de
um fotojornalista.
Folha - O que impressiona você
no Brasil?
Nachtwey - A força que o povo
tem para viver.
Folha - Vivendo esta semana de
frente para o mar, você já cruzou a
avenida e mergulhou no mar de
Ipanema?
Nachtwey - Não. Ainda não fui
capaz.
Colaborou Adriana Zebrauskas.
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