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Rumo ao UNIVERSO PARALELO
O UNIVERSO ESTÁ FADADO A ACABAR.
MAS, ANTES QUE ISSO ACONTEÇA,
PODERIA UMA CIVILIZAÇÃO AVANÇADA
ESCAPAR PARA UM UNIVERSO PARALELO
ATRAVÉS DE UM "BURACO DE MINHOCA"?
A IDÉIA SOA COMO FICÇÃO CIENTÍFICA,
MAS É COMPATÍVEL COM
AS LEIS DA FÍSICA E DA BIOLOGIA
MICHIO KAKU
O Universo está fora de controle, em processo de aceleração desenfreada. Com
o tempo, toda a vida inteligente se verá diante da perspectiva
do fim: o grande congelamento.
Uma civilização avançada precisa
partir em sua última viagem, fugindo para um Universo paralelo.
Na mitologia nórdica, Ragnarok
-a morte dos deuses- começa
quando a terra é presa nas garras intransigentes de um frio de gelar os
ossos. O próprio céu congela, enquanto os deuses caem mortos em
grandes batalhas contra serpentes
malignas e lobos assassinos. O Sol e a
Lua são devorados, e as trevas eternas descendem sobre a terra árida e
congelada. Finalmente Odin, pai de
todos os deuses, cai morto também,
e o próprio tempo chega ao fim.
É possível que essa lenda antiga tenha previsto o futuro que nos espera? Desde o trabalho de Edwin Hubble, na década de 1920, os cientistas
sabem que o Universo está se expandindo, mas a maioria deles acreditava que, à medida que o Universo envelhece, essa expansão desacelera.
Em 1998, astrônomos do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley e da
Universidade Nacional Australiana
calcularam o grau de expansão, estudando dezenas de explosões poderosas de supernovas em galáxias
distantes, capazes de iluminar o
Universo inteiro. Eles não conseguiram acreditar nos dados que colheram. Alguma força desconhecida estava distanciando as galáxias, o que
provoca a aceleração do processo de
expansão do Universo.
Brian Schmidt, um dos líderes do
grupo de cientistas, comentou: "Eu
ainda estava relutando em acreditar,
mas tínhamos checado tudo. Eu relutava muito em dizer às pessoas o
que tínhamos verificado, porque
achei realmente que seríamos massacrados".
Os físicos voltaram correndo às
suas pranchetas e se deram conta de
que alguma "energia escura" de origem desconhecida, algo semelhante
à "constante cosmológica" de Einstein, estava agindo como força antigravitacional. Aparentemente, o
próprio espaço vazio contém energia escura repulsiva suficiente para
fazer o Universo expandir até explodir. Quanto mais o Universo se expande, mais energia escura existe, o
que o leva a expandir ainda mais rapidamente, num processo que se intensifica sem parar.
Em 2003, esse resultado espantoso
foi confirmado pelo satélite WMAP
(Sonda de Anisotropia de Microondas de Wilkinson, na sigla em inglês). Orbitando a 1,6 milhão de quilômetros da Terra, esse satélite detecta a fraca radiação de microondas
que banha o Universo. Ele é tão sensível que é capaz de fotografar, com
detalhes minuciosos, o brilho provocado pela radiação de microondas
que sobrou do Big Bang.
O satélite WMAP resolveu a polêmica de longa data em torno da idade do Universo, que foi oficialmente
determinada em 13,7 bilhões de
anos. O mais notável, porém, é que
os dados indicam que a energia escura não é mera anomalia: ela compõe 73% da matéria e da energia do
Universo inteiro. Para aprofundar o
mistério, os dados mostraram que
23% do Universo consiste de "matéria escura", uma forma bizarra de
matéria que é invisível, mas tem
massa. O hidrogênio e o hélio compõem 4% dela, e os demais elementos, meros 0,03%.
A energia escura e a maior parte da
matéria escura não são feitas de átomos, o que significa que, contrariamente ao que acreditavam os gregos
e ao que é ensinado nos cursos de
química, a maior parte do Universo
não é composta de átomos.
À medida que o Universo se expande, seu teor de energia é diluído,
e as temperaturas terminam por cair
para quase o zero absoluto, na qual
até mesmo os átomos param de se
mover. Uma das leis imutáveis da física é a segunda lei da termodinâmica, que afirma que tudo acaba por se
esgotar, que a entropia (desordem
ou caos) total do Universo sempre
aumenta. Isso quer dizer que o ferro
oxida, nossos corpos envelhecem e
decaem, os impérios desabam, as estrelas esgotam seu combustível nuclear e o próprio Universo vai se esgotar, na medida em que as temperaturas caírem, de maneira uniforme, para quase o zero.
A morte do Universo inteiro parece inescapável. Assim, em algum dia
do futuro distante, a última estrela
vai deixar de brilhar e o Universo inteiro será recoberto de destroços nucleares, estrelas de nêutrons mortas
e buracos negros. Como pessoas
sem-teto, em farrapos, tentando se
aquecer em volta de fogueiras minguantes, as civilizações inteligentes
vão se reunir em volta das derradeiras brasas bruxuleantes.
Salvação nas cordas?
Embora a termodinâmica e a cosmologia apontem para a morte de
todas as formas de vida no Universo,
ainda existe uma saída possível. É
uma das leis da evolução que, quando o meio ambiente muda de maneira radical, a vida deverá se adaptar, fugir ou morrer. A primeira alternativa parece impossível. A última é indesejável. Isso nos deixa com
uma escolha: deixar o Universo.
Embora o conceito de deixar nosso Universo moribundo para entrar
em outro soe como maluquice total,
não existe lei da física que nos proíba
de entrar num Universo paralelo. A
teoria da relatividade geral de Einstein prevê a existência de "buracos
de minhoca", ou portais que interligam Universos paralelos, às vezes
descritos como "pontes de Einstein-Rosen". Mas ainda não se sabe se
correções à teoria quântica possibilitam ou não uma viagem desse tipo.
Visto no passado como idéia despropositada, o conceito do "multiverso" vem gerando muito interesse
entre físicos de tendências diversas.
Em primeiro lugar, a teoria mais
amplamente aceita que condiz com
os dados obtidos pelo WMAP é a
teoria dita inflacionária proposta
por Alan Guth, do MIT, em 1979. Ela
postula uma expansão turbocarregada do Universo no início do tempo. A idéia do Universo inflacionário fornece uma explicação plausível
para vários enigmas cosmológicos,
incluindo a uniformidade e o formato plano do Universo.
Entretanto, como os físicos ainda
não sabem o que moveu esse processo inflacionário rápido, ainda existe
a chance de que ele poderia se dar
novamente, num ciclo interminável.
Essa é a idéia inflacionária caótica de
Andrei Linde, da Universidade Stanford, na qual "universos-pais" geram "universos-bebês", num ciclo
contínuo e interminável, como bolhas de sabão que se dividem em
duas bolhas menores.
Mas o que provocou o Big Bang e
deu início a essa inflação? A pergunta permanece sem resposta. Como o
Big Bang foi tão intenso, temos que
abandonar a teoria da relatividade
geral de Einstein, que forma a estrutura subjacente a toda a cosmologia.
A teoria de Einstein se desfaz no instante do Big Bang, e, portanto, não
consegue responder às perguntas filosóficas e teológicas profundas suscitadas por esse evento. Nessas temperaturas incríveis, precisamos incorporar a teoria quântica, que governa a física do átomo.
A teoria quântica e a teoria da relatividade de Einstein são opostas. A
primeira rege o mundo do muito pequeno, o reino subatômico peculiar
dos elétrons e quarks. A teoria da relatividade rege o mundo do muito
grande -dos buracos negros e dos
universos em expansão. Portanto, a
relatividade não se presta a explicar
o instante do Big Bang, quando o
Universo era menor do que uma
partícula subatômica. Nesse momento, poderíamos prever que efeitos de radiação predominassem sobre a gravidade, e, portanto, precisamos de uma descrição quântica da
gravidade. Um dos maiores desafios
que confronta a física é o de unificar
essas teorias numa única e coerente
teoria de todas as forças.
Os físicos de hoje ainda tateiam à
procura dessa "teoria de tudo". Muitas propostas já foram feitas ao longo do último meio século, mas todas
se mostraram inconsistentes ou incompletas. Até agora, a teoria mais
largamente aceita -na realidade, a
única- é a teoria das cordas.
A versão mais recente da teoria das
cordas, a teoria-M, pode responder a
uma pergunta que há um século
atormenta aqueles que defendem a
idéia da existência de várias dimensões: onde elas estão? A fumaça pode
se expandir e encher um cômodo inteiro sem desaparecer no hiperespaço; logo, as dimensões superiores, se
é que existem, devem ser menores
do que um átomo. Se o espaço das
dimensões superiores fosse maior do que um átomo, veríamos átomos
vagando por aí e desaparecendo
misteriosamente numa dimensão
superior, coisa que não vemos acontecer em laboratório.
De acordo com a teoria das cordas
mais antiga, era preciso "dobrar" ou
embrulhar seis das dez dimensões
originais, de modo que sobrasse o
Universo tetradimensional de hoje.
Essas dimensões indesejadas eram
apertadas dentro de uma bola minúscula, pequena demais para ser
visível. Mas a teoria-M acrescenta a
essa idéia uma variante nova: algumas das dimensões superiores podem ser de tamanho maior, ou mesmo infinito. Imagine duas folhas de
papel paralelas. Se uma formiga vivesse sobre cada uma, cada formiga
pensaria que sua folha era o Universo inteiro e desconheceria a existência de outro Universo bem próximo.
Na realidade, o outro Universo seria
invisível. Cada formiga viveria sua
vida, desconhecendo a existência de
outro Universo a poucos centímetros de distância. Do mesmo modo,
nosso Universo pode ser uma membrana que flutua num hiperespaço
de 11 dimensões, enquanto nós desconhecemos os Universos paralelos
que estão próximos de nós.
Uma versão interessante da cosmologia baseada na teoria-M é o
Universo dito "ecpirótico" (o termo
deriva da palavra grega que significa
"conflagração"). Ele parte da premissa de que nosso Universo é uma
membrana plana e infinita que flutua num espaço de dimensão superior. De vez em quando, porém, a
gravidade atrai uma membrana vizinha. Esses dois Universos paralelos
correm em direção um do outro até
colidirem, liberando uma quantidade colossal de energia (o "Big Splat",
algo como o grande estalido). Essa
explosão gera nosso Universo conhecido e manda os dois Universos
paralelos voando em direções opostas no hiperespaço.
Buscando dimensões extra
O intenso interesse pelas dimensões superiores gerado pela teoria
das cordas foi chegando aos poucos
até o mundo da física experimental.
Algo que não passava de tema de
conversas casuais em torno de uma
mesa de jantar vem sendo traduzido
em experimentos de física que custam muitos milhões de dólares.
Foi conduzido na Universidade do
Colorado, em Denver, o primeiro
experimento para procurar a presença de um Universo paralelo. Os
físicos procuraram minúsculos desvios da lei da gravidade de Newton.
A luz de uma vela se dilui à medida
que se espalha, reduzindo-se no inverso do quadrado da distância da
separação. Do mesmo modo, de
acordo com a lei de Newton, a gravidade também se espalha e se reduz
no espaço. Num Universo tetradimensional, porém, existe mais espaço para a luz e a gravidade se espalharem, de modo que elas decrescem ao inverso do cubo da distância.
Portanto, procurando desvios minúsculos da lei do inverso do quadrado, podemos captar a quarta dimensão. Até agora, esses experimentos só tiveram resultados nulos.
Outras possibilidades também
vêm sendo exploradas. Em 2007 será
ligado, perto de Genebra, o LHC
(Grande Colisor de Hádrons), capaz
de aplicar sobre partículas subatômicas a energia colossal de 14 trilhões de elétron-volts (10 trilhões de
vezes a energia encontrada numa
reação química típica). Essa máquina, o maior colisor de átomos do
mundo, que tem 27 quilômetros de
circunferência e se ergue entre França e Suíça, vai vasculhar lugares 10
mil vezes menores do que um próton. Os físicos prevêem encontrar
todo um "zoológico" de novas partículas subatômicas que não eram vistas desde o Big Bang.
Ademais, por volta de 2012 será
posto em órbita o detetor Lisa (Antena Espacial de Interferômetros a
Laser, na sigla inglesa) de ondas gravitacionais, baseado no espaço. O Lisa será capaz de detectar as ondas de
choque gravitacional emitidas menos de um trilionésimo de segundo
após o Big Bang. O Lisa é tão sensível
-ele é capaz de medir distorções
com diâmetro equivalente a um décimo de um átomo- que é possível
que seja capaz de testar muitos dos
cenários que estão sendo propostos
para o Universo anterior ao Big
Bang, incluindo a teoria das cordas.
Saída pelo buraco
Infelizmente, a energia necessária
para manipular essas dimensões superiores está muito além de qualquer coisa que teremos à nossa disposição no futuro previsível: 1019 bilhões de elétron-volts, ou um quatrilhão de vezes a energia do Grande
Colisor de Hádrons. Para operar
nesse nível será exigida a tecnologia
de uma civilização superavançada.
Para organizar uma discussão das
civilizações extraterrestres avançadas, os astrofísicos freqüentemente
utilizam a classificação de civilizações em tipos 1, 2 e 3 introduzida nos
anos 1960 pelo astrofísico russo Nikolai Kardashev, de acordo com seu
consumo energético.
Seria possível prever que uma civilização do tipo 3, usando a plena potência de seus recursos galácticos,
seria capaz de fugir do grande congelamento. Os corpos de seus cidadãos, por exemplo, poderiam ser geneticamente modificados, e seus órgãos, substituídos por implantes
computadorizados, representando
uma fusão sofisticada de silício e carbono. Mas mesmo esses corpos sobre-humanos não sobreviveriam ao
grande congelamento.
Isso acontece porque definimos a
inteligência como a capacidade de
processar informações. O processamento de informações -logo, a inteligência- requer energia fornecida por máquinas e motores, o que se
tornará impossível quando as diferenças de temperatura caírem para o
zero. De acordo com as leis da física,
a inteligência não poderá sobreviver
num mundo uniformemente frio.
Entretanto, como o grande congelamento provavelmente ainda está
bilhões ou mesmo trilhões de anos
no futuro, haverá tempo para uma
civilização do tipo 3 planejar a única
estratégia consistente com as leis da
física: deixar este Universo. Para isso, uma civilização avançada terá
primeiro que descobrir as leis da
gravidade quântica, que pode ou
não ser a teoria das cordas.
Essas leis serão cruciais para calcular diversos fatores desconhecidos,
tais como a estabilidade dos "buracos de minhoca" que nos conectam
a um Universo paralelo, e como vamos saber qual será a aparência desses universos paralelos. Antes de dar
um salto para o desconhecido, teremos que saber o que existe do outro
lado. Mas como darmos esse salto?
Seguem algumas formas possíveis.
Encontrar um portal
Uma civilização avançada que tenha colonizado a galáxia poderá, durante suas explorações, ter topado
com resquícios primordiais e exóticos do Big Bang. A expansão original
foi tão rápida e tão explosiva que
mesmo buracos de minhoca minúsculos podem ter sido esticados até
um tamanho macroscópico.
Mas, se não forem encontrados
tais portais naturais, a civilização terá que tomar algumas medidas mais
complexas e difíceis.
Sonda num buraco negro
Hoje sabemos que existe fartura de
buracos negros; há um escondido no
centro de nossa própria galáxia da
Via Láctea. Sondas enviadas por um
buraco negro poderiam proporcionar respostas a algumas perguntas.
Em 1963, o matemático Roy Kerr
mostrou que um buraco negro que
gire rapidamente não irá cair num
ponto, mas num anel, impedido de
desabar pela força centrífuga.
Todos os buracos negros são cercados por um horizonte de eventos
ou ponto além do qual não existe retorno possível. É possível conceber
que, para que se pudesse fazer a viagem de volta, seriam necessários
dois buracos negros desse tipo. Mas,
para uma civilização avançada que
estivesse fugindo do grande congelamento, é possível que uma viagem
apenas de ida seja o suficiente.
O que aconteceria se caíssemos pelo anel de Kerr é uma questão em
aberto. Essa polêmica pegou fogo no
ano passado, quando Stephen Hawking admitiu ter cometido um erro,
30 anos atrás, ao apostar na idéia de
que os buracos negros engolem tudo, inclusive a informação. Talvez a
informação seja esmagada para
sempre pelo buraco negro, ou talvez
ela passe para o Universo paralelo
do outro lado do anel de Kerr. A
idéia mais recente de Hawking é que
a informação não se perde totalmente. Mas ninguém acredita que a última palavra sobre essa questão já tenha sido proferida.
Criar energia negativa
Em 1988, Kip Thorne e seus colegas no Instituto de Tecnologia da
Califórnia mostraram que, se alguém possuísse matéria exótica ou
energia negativa suficiente, poderia
usá-la para criar um buraco de verme passível de ser atravessado -ou
seja, pelo qual poderia ir e vir livremente entre seu laboratório e um
ponto distante no espaço (ou no
tempo). A matéria/energia negativa
seria suficiente para manter aberta a
garganta do buraco de minhoca,
possibilitando as viagens.
Infelizmente, ninguém nunca viu
matéria exótica. Em princípio, ela
deve pesar menos do que nada e cair
para cima, em lugar de para baixo.
Se ela existiu quando a Terra foi criada, terá sido repelida pela gravidade
da Terra e se afastado no espaço.
Mas a energia negativa já foi vista
em laboratório, sob a forma do efeito Casimir. Normalmente a força
entre duas placas paralelas não-carregadas deve ser zero. Mas, se flutuações quânticas fora das placas forem
maiores do que as flutuações entre
elas, será criada uma força de compressão líquida. As flutuações que
empurram as placas são maiores do
que as que as empurram de dentro
para fora, de modo que essas placas
são atraídas entre si.
Isso foi previsto pela primeira vez
em 1948 e medido em 1958. Mas a
energia de Casimir é muito pequena
-é proporcional ao inverso da
quarta potência da separação das
placas.
Outra fonte de energia negativa
são os raios laser. Os pulsos de laser
contêm "estados comprimidos",
que, por sua vez, contêm energia positiva e também negativa. O problema consiste em separar a energia negativa da positiva dentro do raio.
Embora isso seja teoricamente possível, é extremamente difícil. Se uma
civilização sofisticada soubesse fazê-lo, então lasers poderosos poderiam
gerar energia negativa suficiente.
Mesmo os buracos negros têm
energia negativa que os cerca, perto
de seus horizontes de eventos. Em
princípio, isso poderia ser a garantia
de quantidades imensas de energia
negativa. Mas os problemas técnicos
relacionados à extração de energia
negativa tão perto de um buraco negro são extremamente complexos.
Criar um universo-bebê
Segundo a teoria da inflação, talvez
bastassem alguns gramas de matéria
para criar um universo-bebê. Isso
acontece porque a energia positiva
da matéria zera a energia negativa da
gravidade. Se o Universo é fechado,
as duas se cancelam com precisão. O
Universo pode, sim, ser uma boca-livre em certo sentido, como já disse
Guth. Os universos-bebês são, em
princípio, criados naturalmente,
quando uma certa região do espaço-tempo se torna instável e entra num
estado denominado "falso vácuo",
que desestabiliza o tecido do espaço-tempo. Uma civilização avançada
poderia fazer isso propositalmente,
concentrando energia numa região
só. Para isso seria preciso ou comprimir a matéria até uma densidade
de 1080 g/cm3, ou então aquecê-la até
a temperatura de 1029 Kelvin.
Para criar as condições fantásticas
necessárias para abrir um buraco de
minhoca com energia negativa ou
criar um falso vácuo com energia
positiva, talvez fosse preciso dispor
de um "quebrador cósmico de átomos". Os físicos estão tentando
construir aceleradores "de mesa"
capazes, em princípio, de atingir bilhões de elétron-volts. Eles utilizaram raios laser poderosos para alcançar uma aceleração energética de
200 bilhões de elétron-volts por metro, um novo recorde. Os avanços
são rápidos, e a energia está aumentando num fator de dez a cada cinco
anos. Embora problemas técnicos
ainda não tenham permitido a criação de um verdadeiro acelerador de
mesa, uma civilização avançada terá
bilhões de anos para aperfeiçoar esse
e outros artefatos.
Implosão a laser
Em princípio, pode ser possível
criar raios laser de potência ilimitada; as únicas restrições são a estabilidade do material de laser e a energia
da fonte. Já são comuns em laboratório os laseres de terawatts (trilhões
de watts), e laseres de petawatts
(quatrilhões de watts) estão pouco a
pouco se tornando possíveis (a título
de comparação, uma usina nuclear
comercial gera apenas 1 bilhão de
watts de energia contínua).
Podemos até mesmo visualizar um
laser de raios X movido pela energia
de uma bomba de hidrogênio, que
carregaria energia inimaginável. No
Laboratório Nacional Lawrence Livermore, uma bateria de laseres é
disparada radialmente sobre uma
pequena bolota de deutereto de lítio,
o ingrediente ativo de uma bomba
de hidrogênio, para "domesticar" a
potência da fusão termonuclear.
Nanobô recria a civilização
Se os buracos de minhoca criados
nos procedimentos anteriores forem
pequenos ou instáveis demais ou se
os efeitos da radiação forem demasiado intensos, então talvez pudéssemos enviar apenas partículas do tamanho de átomos através de um buraco de minhoca. Nesse caso, essa civilização poderia partir para a última solução possível: fazer passar pelo buraco uma "semente" de tamanho atômico, capaz de fazer a civilização renascer do outro lado.
Esse processo é encontrado comumente na natureza. A semente do
carvalho, por exemplo, é compacta,
resistente e própria para sobreviver
a uma viagem longa e a viver da terra. Ela contém toda a informação genética necessária para regenerar a
árvore.
Uma civilização avançada pode
querer enviar pelo buraco de minhoca informações suficientes para
criar um "nanobô", ou máquina auto-reprodutora de tamanho atômico, construída com a ajuda da nanotecnologia. Ela seria capaz de viajar a
uma velocidade próxima à da luz,
porque teria apenas o tamanho de
uma molécula. Ela aterrissaria sobre
uma lua árida e utilizaria as matérias-primas para criar uma fábrica
química que geraria milhões de cópias dela mesma.
Uma multidão desse robôs então
viajaria a outras luas, em outros sistemas solares, e criaria novas fábricas químicas. Esse processo todo seria repetido inúmeras vezes, gerando milhões e mais milhões de cópias
do robô original. Começando com
um único robô, haveria uma esfera
de trilhões desses robôs se expandindo, colonizando a galáxia inteira.
(Essa idéia foi a base do filme
"2001", provavelmente o retrato fictício de maior precisão científica feito até agora de um encontro com
uma forma de vida extraterrestre.
Em lugar de topar com seres alienígenas num disco voador ou na nave
Enterprise, a possibilidade mais realista é que façamos contato com uma
sonda robótica deixada numa lua
por uma civilização do tipo 3 de passagem pelo local. Essa possibilidade
foi apresentada por cientistas nos
minutos iniciais do filme, mas Stanley Kubrick cortou as entrevistas
com eles da edição final do filme.)
Em seguida, essas sondas robóticas criariam enormes laboratórios
de biotecnologia. As seqüências de
DNA dos criadores das sondas teriam sido registradas cuidadosamente, e os robôs teriam sido desenhados para injetar essa informação
em incubadoras que, então, clonariam a espécie inteira. Uma civilização avançada poderia, também, codificar as personalidades e as memórias de seus habitantes e injetá-las
nos clones, permitindo que a raça inteira fosse reencarnada.
Embora esse cenário seja aparentemente fantástico, ele condiz com
as regras conhecidas da física e da
biologia e estaria dentro das capacidades de uma civilização de tipo 3.
Não existe nas leis da ciência nada
que impeça a regeneração de uma civilização a partir do nível molecular.
Para uma civilização moribunda
presa num Universo em processo de
congelamento, essa talvez representasse sua última esperança.
Michio Kaku é professor de física teórica na
Universidade da Cidade de Nova York. Este
artigo é adaptado de seu livro "Parallel
Worlds" e foi publicado na "Prospect".
Tradução de Clara Allain
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