São Paulo, domingo, 01 de maio de 2005

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Um dos mais influentes intelectuais de esquerda no mundo, Noam Chomsky ganha biografia laudatória

A celebridade inconformista

GILBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Noam Chomsky, lingüista norte-americano de origem russa, filho de professores e intelectuais judeus e um dos autores mais citados do mundo -em uma lista que inclui Marx, Lênin e Freud- ganhou uma biografia escrita enquanto está vivo, o que não deixa de ser um privilégio dos deuses que certamente deixaria um intelectual vaidoso como o nosso Darcy Ribeiro com água na boca: uma biografia em vida!
O livro é uma rasgação de seda em cima do biografado? É. Mas isso não depõe contra, pois Chomsky merece ser elogiado como um intelectual que se preocupa em melhorar a sociedade humana, aliás o que já não mais está em voga na era pós-moderna do individualismo e do enclausuramento em torre de marfim. Escreve o biógrafo canadense: "Um acadêmico da estatura de Chomsky poderia ter se beneficiado das vantagens à disposição de megaestrelas acadêmicas".

Descontente
Tinha tudo para se tornar um badameco mirando o seu próprio umbigo, mas virou um dissidente, um indignado, um descontente com a sociedade norte-americana e os seus pares e coleguinhas universitários. Talvez o crítico mais enraivecido com a política externa norte-americana, ou seja, um adversário dentro de casa do imperialismo.
O que fez dele um intelectual -os anos marcantes de sua aprendizagem- foi o interesse do adolescente pela Guerra Civil Espanhola de 1938, tal qual Hemingway, Malraux, Lorca, Picasso, Aragon, Pablo Casals, Segóvia, Willy Brandt.
Embora por dentro do marxismo e do leninismo, Chomsky ficou seduzido pelo anarquismo e, durante a Segunda Guerra Mundial, percebeu, à maneira dos trotskistas e frankfurtianos, que o antagonismo entre a URSS e os EUA era um antagonismo de araque.


Ele tinha tudo para se tornar badameco, mas virou dissidente

Embora admirador do inglês Bertrand Russell, que conheceu a cadeia, Chomsky parece o Jean Paul Sartre ativista e engajado, o intelectual metendo o bico em tudo, mesmo em lugares onde não é chamado. Ele foi colocado na lista dos acadêmicos inimigos de Richard Nixon [1913-94], o que é sem dúvida um belo currículo. O autor não elide sua admiração por uma estrela acadêmica -manter-se inconformista e não vestir o camisolão do status quo ou senão seguir o roteiro do hippie desbundado aos 20 anos e corretor careta da Bolsa aos 40.
"Historicamente, é um truísmo que as pessoas que defendem idéias libertárias tenham que sofrer por isso." Chomsky não foge à regra, embora lecione em Harvard e pesquise no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), as duas instituições que preparam as elites do poder norte-americano para se assenhorearem do mundo inteiro.
Mais do que a clareza na prosa (numa época em que o raciocínio abstruso é condição de respeitabilidade intelectual, como acontece na cultura parisiense, por exemplo), a grande virtude de Chomsky, segundo o autor, é mostrar que "as ações específicas de um governo capitalista imperialista não são senão sintomas do problema maior: as classes operárias e os grupos marginalizados estão sendo oprimidos por uma minoria cada vez mais encolhida".
Esse é o impasse não apenas de Noam Chomsky mas de todo intelectual que ainda não abdicou de sua missão crítica ou civilizatória. E o mal está menos no governo do que na "propaganda empresarial, que é extraordinária em escala e muito significativa no impacto", no dizer de Chomsky, indignado com a cultura "iupi" e sibarita que penaliza os pobres e se rende aos amavios dos banqueiros.

Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de, entre outros livros, "Brazil no Prego" (Revan).

Noam Chomsky
276 págs., R$ 35,00
de Robert F. Barsky. Trad. Rosalind Mobaid.
Ed. Conrad (r. Simão Dias da Fonseca, 93,
CEP 01539-020, Aclimação, São Paulo, SP,
tel. 0/xx/11/ 3346-6088).


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