São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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Nacionalista, "Brazil no Prego" é vítima de seu próprio discurso agressivo contra as instituições acadêmicas

Uma sociologia do entusiasmo

Suas idéias sobre o país não são novas, fazem parte da agenda de esquerda; mas a maneira como constrói seu argumento empobrece sua argumentação

Isabel Lustosa
especial para a Folha

Barbosa Lima Sobrinho foi a grande voz dissonante que, por meio de seus artigos semanais, fez a crítica mais substancial ao projeto de privatização que teve início no governo Collor [1990-92] e continuidade no governo Fernando Henrique Cardoso [1995-2002]. De forma lúcida, sensata e organizada, Lima Sobrinho combateu a política que determinava o enxugamento da máquina do Estado e a venda de grandes empresas estatais, da qual a mais doída foi a da Vale do Rio Doce. Lima Sobrinho e Osny Duarte Pereira foram dois nacionalistas que acreditavam na necessidade de defender as riquezas do nosso subsolo. Secundados nesse discurso por outro grande jurista desaparecido, Evandro Lins e Silva, os três velhos uniram esforços em campanhas de pouco sucesso no cenário de entusiasmo com que o projeto de "modernização" do Brasil foi saudado na década de 1990. Talvez o fato de essa luta ter sido conduzida por três homens de mais de 80 anos fez com que a bandeira da soberania nacional fundada na defesa de suas riquezas fosse considerada coisa de velho, de gente que perdera o bonde da história. O preço que o Brasil pagou, paga e ainda vai pagar por muito tempo por essa política que prometia a melhora da situação econômica geral do país se vê na herança que o governo Lula tenta administrar. Dessa herança fazem parte inclusive os compromissos firmados pelos governos anteriores. A política de privatizações e enxugamento da máquina do Estado não melhorou a situação de endividamento do Brasil. Os escândalos envolvendo a venda das estatais ainda hoje ressoam na guerra dos grampos e dossiês que tomou a vida política e empresarial brasileira. No cenário político, a última personalidade a enfrentar esses temas com destemor e bom humor, no contexto de um discurso nacionalista, acaba de desaparecer: Leonel Brizola. Os Cieps, bandeira da educação de base adotada por Darcy Ribeiro, seu secretário de Educação, na herança deixada por Anísio Teixeira desde o longínquo governo de Pedro Ernesto (1932-1935), vêm sendo disputados pelos candidatos a prefeito do Rio nessas eleições. Demonstração de que o debate sobre as cotas para as universidades produziu pelo menos um filho bom: a certeza de que a boa educação deve vir da infância, de que, quando se fala em cotas para os pobres, é da educação primária que se deveria tratar. De que o lema deve ser boas escolas para todos, e não universidades ruins para todos.

Oswald e Glauber
"Brazil no Prego" é um livro que reúne artigos de diversos formatos do professor da Universidade Federal de Juiz de Fora Gilberto Felisberto Vasconcellos. Assumidamente nacionalista, é pelo estilo que Vasconcellos se afasta não só dos que, como Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, tiveram -como políticos- de fazer uso de um discurso mais enfático quanto dos velhos nacionalistas citados acima. Cuja elegância no polemizar, cuja clareza na construção dos argumentos garantem que seus escritos se possam ler até hoje, discordando ou concordado com eles, sem que tenham se reduzido a meras verrinas sem perspectiva de vida futura.
As idéias de Vasconcellos sobre política e sociedade brasileira em geral são vazadas num estilo tão excessivo, tão agressivo que dificilmente mesmo Glauber Rocha, um artista, um poeta e um cineasta, adotaria. O autor identifica, entre outras influências fundamentais para a construção de sua visão de mundo a la Oswald de Andrade, Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, Glauber Rocha e Nelson Werneck Sodré. Uma composição de influências realmente coerente, não fora pela presença nesse elenco do sóbrio historiador marxista de origem militar. São os personagens da ênfase, da paixão, do entusiasmo dionisíaco.
Suas idéias sobre o Brasil não são novas. Fazem parte da agenda nacionalista de esquerda ou, como ele talvez prefira dizer, nacionalista, trabalhista, terceiro-mundista e antiimperialista. Mas a maneira como constrói seu argumento, os ataques que desfere contra os adversários, a atitude de negação do valor de instituições como o Iuperj [Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro], a USP, o Museu Nacional e os cursos de ciências sociais brasileiros em geral, reduzidos e agrupados sob o título de "professorança", empobrecem sua argumentação.
Em que aproveita o leitor, mesmo o que não aprova as idéias de Alain Touraine [sociólogo francês], vê-lo chamado de "janota francês que do camarote tucano pontificou besteiras durante oito anos"? Ou ainda a acusação, feita ao sociólogo Fernando Henrique Cardoso e aos seus colegas, de que "se tornou líder dos intelectuais porque cacifou, arrumou emprego e descolou bolsa de estudos para muita gente"?
"Nos espíritos de natureza enfática a ênfase é natural" -é a bela frase de Unamuno citada neste livro e que poderia corresponder a Vasconcellos, se ele não tivesse pontuado as suas ênfases com tantas injúrias. E como "injúrias não são razões, nem sarcasmos valem argumentos", perdeu o professor a oportunidade de, ao publicar por uma editora que tem tantos títulos acadêmicos de valor, enfrentar de forma lúcida, sensata e organizada, tal como Barbosa Lima Sobrinho, o debate acadêmico sobre os destinos do Brasil.


Isabel Lustosa é cientista política e historiadora da Casa de Rui Barbosa (RJ). É autora de "Insultos Impressos - A Guerra dos Jornalistas na Independência" (Companhia das Letras).


Brazil no Prego
212 págs., R$ 28,00 de Gilberto Felisberto Vaconcellos. Ed. Revan (av. Paulo de Frontin, 163, casa 2, CEP 20260-010, Rio de Janeiro, RJ, tel. 0/xx/21/2502-7495).



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