São Paulo, Domingo, 01 de Agosto de 1999
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Paraísos

TEIXEIRA COELHO
especial para a Folha

1. Biblioteca - O universo. A história do universo divide-se em ciclos e nesses ciclos há largos eclipses nos quais nada existe ou nos quais restam apenas as palavras (do Veda). 2. Budismo - Um contínuo exercício de irrealidade. 3. Buenos Aires - Aquela outra cidade que também se chamava Buenos Aires e que o deixou; a outra rua, a que ele nunca pisou. 4. Círculo - A repetição; lugar onde a memória alcança o projeto. 5. Estética - Ele não tem uma estética, só astúcias: evitar os sinônimos, que têm a desvantagem de sugerir diferenças imaginárias; evitar hispanismos, argentinismos, arcaísmos e neologismos; preferir palavras habituais às assombrosas; intercalar em um relato traços circunstanciais, exigidos pelo leitor; simular pequenas incertezas, dado que, se a realidade é precisa, a memória não o é; narrar os feitos como se não os entendesse totalmente; recordar que as normas anteriores não são obrigações e que o tempo se encarregará de aboli-las. 6. Labirinto - O livro. 7. Ler - Que outros se vangloriem das páginas que escreveram; quanto a ele, orgulha-se das que leu. 8. Livro - O labirinto; ali onde ele se esquece de seu pobre destino humano. 9. Memória - Recordar: verbo sagrado que só um homem na terra teve o direito de pronunciar -e esse homem morreu. Ele acha que suas memórias são superiores a seus pensamentos. 10. Nirvana - Ali onde os atos não mais projetam sombras. 11. O Norte - Que o fez empreender, como William Morris, uma peregrinação à Islândia. 12. Segunda história - A que transparece sob a história narrada; aquela que não é contada e no entanto a única que ele quer contar. 13. Simulacro - A projeção do sonho: um poema, um livro, uma astúcia. 14. Sombra - Penumbra lenta e que não dói, que flui por um suave declive e se parece com a eternidade e onde ele logo saberá quem é. Lugar do Outro, que anseia pelo sangue dele e que sua morte quer devorar. 15. Sonho - A atividade estética mais antiga, um fenômeno assombroso, singular. Um instante vertiginoso, como a eternidade. Uma pequena, modesta eternidade pessoal, o instante em que talvez sejamos a Divindade. Inacessível à memória. O sonho que antecipa o futuro é menos precioso que o sonho falaz, espontânea invenção do homem que dorme. Arte da noite que aos poucos invadiu a arte do dia. Seu compromisso imediato. 16. O Sul - Começa do outro lado da Rivadavia; quem atravessa essa rua penetra num mundo mais antigo e mais firme. O passado, mas também o destino. 17. Paraíso - Seguindo Chesterton, um pesadelo de delícias.


Teixeira Coelho é ensaísta, escritor e diretor do MAC-SP (Museu de Arte Contemporânea), autor, entre outros, de "Niemeyer - Um Romance".


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