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Paraísos
TEIXEIRA COELHO
especial para a Folha
1. Biblioteca - O universo. A história do universo divide-se em ciclos e nesses ciclos há largos eclipses nos quais nada existe ou nos
quais restam apenas as palavras
(do Veda). 2. Budismo - Um contínuo exercício de irrealidade. 3.
Buenos Aires - Aquela outra cidade que também se chamava
Buenos Aires e que o deixou; a outra rua, a que ele nunca pisou. 4.
Círculo - A repetição; lugar onde
a memória alcança o projeto. 5.
Estética - Ele não tem uma estética, só astúcias: evitar os sinônimos, que têm a desvantagem de
sugerir diferenças imaginárias;
evitar hispanismos, argentinismos, arcaísmos e neologismos;
preferir palavras habituais às assombrosas; intercalar em um relato traços circunstanciais, exigidos pelo leitor; simular pequenas
incertezas, dado que, se a realidade é precisa, a memória não o é;
narrar os feitos como se não os
entendesse totalmente; recordar
que as normas anteriores não são
obrigações e que o tempo se encarregará de aboli-las. 6. Labirinto - O livro. 7. Ler - Que outros se
vangloriem das páginas que escreveram; quanto a ele, orgulha-se das que leu. 8. Livro - O labirinto; ali onde ele se esquece de seu
pobre destino humano. 9. Memória - Recordar: verbo sagrado que
só um homem na terra teve o direito de pronunciar -e esse homem morreu. Ele acha que suas
memórias são superiores a seus
pensamentos. 10. Nirvana - Ali
onde os atos não mais projetam
sombras. 11. O Norte - Que o fez
empreender, como William Morris, uma peregrinação à Islândia.
12. Segunda história - A que
transparece sob a história narrada; aquela que não é contada e no
entanto a única que ele quer contar. 13. Simulacro - A projeção do
sonho: um poema, um livro, uma
astúcia. 14. Sombra - Penumbra
lenta e que não dói, que flui por
um suave declive e se parece com
a eternidade e onde ele logo saberá quem é. Lugar do Outro, que
anseia pelo sangue dele e que sua
morte quer devorar. 15. Sonho - A
atividade estética mais antiga, um
fenômeno assombroso, singular.
Um instante vertiginoso, como a
eternidade. Uma pequena, modesta eternidade pessoal, o instante em que talvez sejamos a Divindade. Inacessível à memória.
O sonho que antecipa o futuro é
menos precioso que o sonho falaz, espontânea invenção do homem que dorme. Arte da noite
que aos poucos invadiu a arte do
dia. Seu compromisso imediato.
16. O Sul - Começa do outro lado
da Rivadavia; quem atravessa essa
rua penetra num mundo mais antigo e mais firme. O passado, mas
também o destino. 17. Paraíso -
Seguindo Chesterton, um pesadelo de delícias.
Teixeira Coelho é ensaísta, escritor e diretor do MAC-SP (Museu de Arte Contemporânea), autor, entre outros, de "Niemeyer - Um
Romance".
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